segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Mutirão do Tribunal do Júri - 2ª etapa - Dia 28/11



No sábado último, foi realizado mutirão do Tribunal do Júri, na FACIMA (Faculdade da Cidade de Maceió). Fui designado para atuar, a priori, em dois casos. Para cada caso, fui auxiliado por três estagiárias. Entretanto, pela pouca quantidade de advogados para esta etapa do mutirão, acabei fazendo quatro júris em um dia inteiro. Não precisei nem ir ao Faustão para participar do “se vira nos 30”.

- O primeiro júri da manhã tratava de um caso de homicídio, envolvendo uma moradora de rua que confessou ter matado o companheiro, que a agredira pouco antes do crime (e com certeza já o fazia há muito tempo) e lhe tomara umas roupas que a mesma havia ganhado. Sustentei que os jurados não estavam adstritos, em seu julgamento, aos ditames legais, mas primordialmente ao que lhes dissesse a consciência. Expus a situação de miserabilidade daquela mulher, abandonada em seus direitos mais básicos de subsistência por um estado que só se lembrava que ela era gente em época de eleições. Mostrei que se tratava de pessoa sem qualquer outra mácula criminal até então, bem como que a mesma fez o que fez para se defender das agressões que estava sofrendo. A ré foi absolvida por maioria de votos. No início da sustentação, me veio a mente um poema de Manuel Bandeira, que eu acabei recitando:

Vi ontem um bicho/Na imundice do pátio/Catando comida entre os detritos/Quando achava alguma coisa,Não examinava nem cheirava:Engolia com voracidade/O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato/O bicho, meu Deus, era um homem.

- O segundo júri da manhã foi um dos que mais me emocionou. Neste o réu se fez presente, acompanhado de seus familiares. Via-se um jovem acanhado, com o peso do aparato estatal sobre suas costas. A acusação era por tentativa de homicídio: Ele e mais dois indivíduos teriam disparado para o chão, com o intuito de espantar um cidadão conhecido por “bombar”, que estava importunando uns animais de propriedade do réu que lá estava. Apenas pelo fato de ele ter dito, em depoimento na Delegacia, que “estava sentindo raiva” da suposta vítima, um sádico Promotor de Justiça entendeu presente o dolo e pediu a prisão preventiva do mesmo. O réu, que não tinha antecedentes criminais, passou 3 meses preso. A representante do Ministério Público que estava atuando naquele caso pediu, nos debates, a absolvição, mas afirmou que estava pedindo porque via dúvida quanto à existência de dolo, e disse ainda que, apesar de não se tratar de crime doloso contra a vida, alegou que restava patente a configuração da contravenção do “disparo em via pública”. Sustentei, inicialmente, que o dolo certamente não estava presente naquele caso, visto que não se trata apenas da intenção de matar. O dolo possui o elemento volitivo (vontade) e o elemento intelectivo (diz respeito aos atos. Significa direcionar o ato para a consecução daquela vontade). Afirmei que os atos atribuídos ao réu discrepavam daqueles que configurariam o crime de tentativa de homicídio, já que os disparos se deram a uma distância de 10 metros, bem como que foram efetuados para o chão. Sobre a contravenção do disparo em via pública, disse que não se evidencia o objetivo de tumultuar o ambiente, embora tenha sido essa a conseqüência do ato. Ademais, demonstrei que não seria útil reconhecer a ocorrência de tal crime, visto que o rapaz já passara três meses preso. Tentei passar o seu desalento, a dor da mãe dele, que estava aos prantos na platéia. Encerrei o meu discurso dizendo: “Evito, a partir de agora, de me referir ao Sr. X como réu ou acusado, porque ele já sofreu por demais com essa mácula. Cabe aos senhores devolver-lhe a dignidade e tirar de seus ombros o peso do injusto aparato estatal, absolvendo-o”. Na votação, os jurados reconheceram sua competência para julgar a causa e absolveram o réu, por unanimidade. Na hora em que o juiz leu a sentença, a mãe do réu correu até a minha direção e me abraçou fortemente, em prantos. Foi emocionante e gratificante. Não há dinheiro no mundo que pague a satisfação que eu senti naquele momento.

- Depois de um rápido intervalo para almoço, comecei o primeiro júri da tarde. Trata-se de suposto crime de homicídio ocorrido em 1992. O réu, que estava presente à sessão, alegou legítima defesa. O Promotor, primeiramente, mostrou aos jurados contradições nos depoimentos do réu, que ele chamou de mentiras; disse, ainda, que só existia uma verdade, a de que não houve legítima defesa, e sim um homicídio; por fim, sustentou que, pela quantidade de facadas, ainda que se admitisse a legítima defesa, teria ocorrido excesso punível. O Promotor ainda teve o disparate de dizer que, apesar de o ônus da prova ser do MP, o réu poderia, se quisesse, ter provado suas alegações, com, por exemplo, um BO das agressões sofridas por ele. Em minha sustentação, procurei fazer ver a situação daquele homem que, na época, trabalhava como vigilante e vendedor de cachorro quente e caldo de cana, para complementar o orçamento familiar; que nessa época ele vinha sendo ameaçado e agredido fisicamente pela suposta vítima, um morador de rua, um provocador, conhecido pela alcunha de “bode negro”; que estava em seu local de trabalho, sendo importunado pelo tal sujeito, que veio para cima dele com uma faca em punho. Como o réu também usava uma faca como instrumento de trabalho (já que também era vendedor de lanches), foi mais rápido e esfaqueou a vítima. A quantidade de facadas se deve não só ao desespero daquele que está prestes a ser morto e tem que se defender, como também pela compleição física da vítima, mais alta e mais forte que o réu. Argumentei, ainda, que o réu poderia perfeitamente ter negado a autoria, já que não houve testemunhas presenciais, mas compareceu espontaneamente à Delegacia e disse o que havia acontecido. Rebati a questão do ônus da prova, alegando que os advogados do réu negligenciaram o processo, havendo até despacho do juiz determinando expedição de ofício à OAB, para a instauração de procedimento ético-disciplinar contra o causídico, uma constante nestes processos do mutirão. “Não existe apenas uma verdade, existem versões. Se assim não fosse, não haveria necessidade de uma lide entre defesa e acusação”, afirmei. Prossegui, dizendo que o próprio Promotor colocava em dúvida a existência da agressão entre as partes, suscitando o princípio do in dubio pro réu. Finalizei, pedindo a absolvição. Todavia, o réu foi condenado a 07 (sete) anos de reclusão. Apelei da sentença, nos próprios termos, com base no art. 600, §4º, do CCP, requerendo que a defensoria pública fosse intimada para a apresentação das razões recursais em segunda instância. Lamentável, mas pelo menos o réu ficou no regime semi-aberto, ou seja, na pior das hipóteses, vai cumprir a pena em casa.

- O último processo do dia foi uma acusação de tentativa de homicídio de um homem contra sua ex-esposa, porque ela não queria reatar o relacionamento. O homem havia confessado o crime na Delegacia, mas negou a intenção de matar perante o juiz, afirmando que apontou a arma com o intuito de assustar a esposa e fazê-la reatar a relação, tendo a mesma batido na arma e o tiro disparado na cabeça dela. Mostrei que não se devia julgar alguém de forma superficial e com rigor, e sim observar que se trata de pessoa sem antecedentes criminais que, se teve intenção de matar, o teve por amar demais, de forma a enlouquecer. Pedi que os jurados votassem com consciência, mas também voltei meu apelo ao juiz, quase que adivinhando uma condenação. O réu foi condenado por unanimidade, mas o juiz sentiu pena (ou solidariedade masculina, como outros podem chamar) e fixou a pena no patamar mínimo, de 6 (seis) anos, a ser cumprida em regime semi-aberto. Durante a sustentação, algo inusitado aconteceu. A mãe da vítima, que estava na platéia, levantou injuriada e começou a soluçar, dizendo “que não ia ficar ali ouvindo aquele monte de mentira”. Entendo a revolta que ela estava sentido, mas todos têm direito à ampla defesa e, se ele alegou que fora um acidente, quem sou eu para ir contra a tese dele. Afinal, a primeira defesa é a auto-defesa. A defesa técnica vem para complementá-la, até porque o cidadão comum não tem capacidade postulatória.

Resultado: Saí vitorioso dos 4 júris, pois apesar das duas condenações, os réus foram para suas casas, e não para o sistema prisional. Só vim a sentir o desgaste e o tempo depois que saí do local. Tinha chegado lá às 08:00 e estava saindo às 18:20. Eu estava esgotado, mas satisfeito por ter contribuído com causa tão nobre. Também tenho que ressaltar a atuação das estagiárias que me foram disponibilizadas pela OAB/AL, todas estudantes da Universidade Federal de Alagoas, que forma excelentes profissionais e de onde sou egresso (sem querer menosprezar as demais faculdades, até porque não conheço o ensino das mesmas).

Um comentário:

  1. Parabéns,Dr.!Fico feliz por mais essa conquista pelo ilustre Dr.

    Um forte abraço!

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