Compartilho com os leitores reportagem do Jornal Gazeta de Alagoas de 31/10/2010, a respeito do tema. Utilizei a reportagem em aula que dei aos meus alunos do 4º Pelotão do Curso de Formação de Praças da PM/AL e o debate foi grandioso. Inclusive, neste dia, dei aula algemado, para demonstrar como é incômodo e vexatório o uso do acessório. As algemas apertam os pulsos, pesam (imagine em dia de muito calor como elas não queimam ?); os alunos tiravam fotos, achavam engraçado (imagine o preso, sendo surpreendido com os deboches dos populares e os flashes da imprensa ?). Sem contar que eu fui algemado com as mãos para a frente e sabemos que a praxe é algemar os presos com as mãos para trás. Percebo que os que estão ingressando na corporação mostram preocupação com os limites de sua atuação, preocupação esta que os policiais antigos não têm, como se observará na reportagem. E é função dos professores trazer discussões como esta, de forma ousada, inovadora, criativa. Sempre explico aos meus que a autoridade da qual eles serão investidos ao término do curso está ligada a um dever. E este dever exige postura e respeito no exercício da função. A truculência deve ceder ao bom senso.
Legislação
UTILIZAÇÃO DE ALGEMAS GERA POLÊMICA EM ALAGOAS
Opiniões se dividem em torno de objeto
Maikel Marques
Repórter
Dois anos depois da vigência da súmula vinculante aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) estabelecendo restrições quanto ao uso de algemas nos pulsos de quem tem prisão decretada pela justiça, delegados e advogados ainda divergem quanto à utilização das argolas metálicas, simbolo da imobilização do acusado e garantia de que não representa insegurança à integridade física do policial.
A polêmica em torno do uso indiscriminado de algemas no território nacional começou depois de uma ação da Polícia Federal (PF), que prendeu, durante a operação Satiagraha, figurões do cenário político nacional e os exibiu à mídia de todo o país chegando à carceragem da instituição, em Brasília (DF), com as mãos atadas pelas temidas argolinhas, contribuindo para a "exposição indevida" de quem já tinha concordado com a detenção.
Em meio às críticas, os ministros do Superior Tribunal Federal (STF) julgavam recurso interposto por um réu condenado por homicídio em Laranjal Paulista (SP), que criticava o fato de ter ficado algemado durante todo o período que durou o tribunal do júri. Ao apreciar o caso, o ministro relator Marco Aurélio Mello entendeu que houve abuso no uso das algemas nos punhos do acusado.
EXCEPCIONALIDADE
Resultado daquele dia sete de agosto de 2008: Os ministros acataram, por unanimidade de votos, a "tese da excepcionalidade" do uso das argolas. Estas só deveriam ser utilizadas, daquele momento em diante, em casos excepcionais ou quando há ameaça ao acusado, ao policial ou outras pessoas. O ministro Cézar Peluzo sugeriu então a vinculação daquela decisão a situaçlões semelhantes em todo o país.
A "súmula vinculante Nº 11" ficou com o seguinte conteúdo: "Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".
REAÇÕES
Vieram discursos em torno do "princípio da dignidade da pessoa humana" e as reações, favoráveis ou não, às novas regras para o trancafio de gente por meio de autoridades policiais estaduais ou federais. Em Alagoas, o assunto gera discordâncias entre advogados, que tentam preservar sem máculas a imagem de seus clientes, e policiais estão sempre preocupados em não ser alvo da fúria daquele que não chega mais ao cárcere algemado.
Posicionamento
DELEGADO DIZ QUE NÃO SE PODE VACILAR
Waldor Coimbra justifica uso de algemas alegando que preso sonha com liberdade e é preciso garantir a segurança policial
"Preso é preso, meu amigo! Sonha com a liberdade, sempre. Não se pode vacilar. Tem que mantê-lo algemado para garantir a segurança policial e de quem estiver ao seu redor". A afirmação do Delegado Waldor Coimbra Lou, do 9º Distritor Policial da Capital, serve para tentar responder a uma pergunta básica: Como prever a reação daquele que concordou com a detenção e aparenta rendição ?
Na visão do experiente policial, não há como prever a reação do preso escoltado ao xilindró. "Na dúvida, é melhor mantê-los bem amarrados", aconselha Waldor. Recentemente, ele viajou ao Espírito Santo (ES) com a missão de escoltar até Alagoas Hornella Giurizzato, principal suspeita de ter mandado matar seu ex-esposo, o empresário capixaba Fernando Mattedi Tomazzi, morto em 14 de setembro em Maceió.
Ciente das diretrizes da súmula vinculante, o Delegado observou o comportamento da acusada antes da viagem à capital alagoana, mas preferiu mantê-la algemada. Recebeu recomendação semelhante do comandante da aeronave que fez escala em Guarulhos (SP), antes do desembarque em nosso aeroporto internacional. "Ela até pediu para retirar, mas preferi não comprometer o meu trabalho lá nos ares", confessou. (do editor do blog: Claro, sempre há a possibilidade de o preso pegar um paraquedas e pular. Faça-me o favor!!!)
No dia seguinte ao desembarque em Maceió, a acusada foi ao Instituto Médico Legal (IML) submeter-se ao exame de corpo de delito, ocasião em que, sisuda, utilizava um lenço para encobrir o par de fechaduras que limitava o movimento de suas mãos. Coimbra diz que só não tem utilizado algemas quando o preso é devedor de pensão alimentícia. "Este quer sair logo da prisão. Não faz confusão". (do Editor do Blog: Qual o preso que não quer sair logo da prisão ? Alguém me diz ? Gente, quanta batatada este senhor disse!!!)
CRITÉRIOS E DÚVIDAS
O Delegado Antônio Carlos Lessa, atual presidente da Associação dos Delegados de Alagoas (Adepol) reconhece a necessidade de, nos tempos atuais, levar em consideração os critérios fixados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) antes de prender os pulsos do acusado com as temidas argolinhas de prata, mas defende vigilância cerrada do policial para não ser surpreendido.
"Quem é que sabe o que tem na cabeça do preso ? Quem é que garante que, com mãos livres, ele não vai tomar a arma do policial e atingi-lo na tentativa desesperada de fuga ?", questiona o delegado, fazendo referência ao caso de um detento que tomou a arma de um policial e matou um magistrado nos Estados Unidos, há alguns anos. "lembra daquela cena ? Vacilo total da polícia. É ´reciso atenção, sempre!", completa.
O líder policial chamaa a tenção para a questão do "abuso de autoridade" por parte do policial, razão pela qual a associação tem orientado seus associados para o uso das algemas se realmente houve necessidade. A precaução tem justificativa: Evitar que o agente policial seja acusado de violação do dever funcional e da prática de ilicitudes. (Do Editor do Blog: Creio que a Polícia só entenderá que o uso das algemas é exceção, e não regra, quando nós, advogados, começarmos a representá-los por estas práticas abusivas. Aí eles terão a real dimensão da sensação - e vergonha - que é responder a um processo com repercussão nas esferas disciplinar, civil e criminal, sem contar no trabalho e despesas para constituir um advogado e elaborar sua defesa. Portanto, advogados, ao se dirigir ao local onde seu cliente está sendo detido, leve uma câmera digital e desperte o Jorge Tadeu que "ecsiste" em você. Depois, é só entrar com o Habeas Corpus e, também, com a representação. Só assim os direitos dos presos serão respeitados, bem como as nossas prerrogativas profissionais)
ADVOGADO: "USO É ABERRAÇÃO JURÍDICA"
O advogado criminalista Roberto Marques, que defende clientes em Maceió e Arapiraca, considera o uso de algemas "uma aberração jurídica" por ferir, na sua avaliação, o princípio do estado de inocência. "O uso excessivo das algemas execra e macula a imagem do cidadão, muito antes do seu julgamento do crime de que é acusado", argumenta.
Há quase duas décadas, quando Marques estreou na profissão defendendo acusados de crimes, não havia em Alagoas critério policial para o emprego das algemas. Imperava o estado policialesco e a praxe era o "desfile" de autoridades com detentos, alguns deles inofensivos, com as mãos atadas, mesmo em meio a meia dúzia de homens armados.
"Quando o cliente liga informando a chegada da polícia para cumprimento de ordem judicial, oriento no sentido de não reagir. Isso justamente para evitar que algum policial o algeme e macule sua imagem", explica o advogado que, durante muito tempo, lecionou Direito Penal em faculdades de Arapiraca, no agreste, e Penedo, no Baixo São Francisco. "A regra é não reagir e se entregar".
Welton Roberto, advogado criminalista em Maceió que defende gente acusada de muita ilegalidade, considera desnecessário o uso das algemas e costuma exigir das autoridades policiais "fundamentação" legal para o emprego do "instrumento de força" nem sempre encessário aos que se mostram colaborativos com o trabalho policial.
"A colaboração do preso facilita o trabalho do advogado quando da solicitação de HC (Habeas Corpus) no sentido de livrá-lo do cárcere. A atuação arbitrária, abusiva, do policial que cumpre a ordem judicial também nos favorece [quando da impetração de recurso à instância jurídica cabível]. Nas duas situações, defendo a atuação com bom senso parta evitar excessos", analisa Welton Roberto.
Os agentes da Polícia Federal (PF) em Alagoas têm utilizado critérios de monitoramento prévio para reconhecimento da índole de quem precisa ser algemado. "Durante a investigação, a gente prepara relatórios sobre a índole do acusado. Isso auxilia na hora de decidir pelo uso ou não das algemas", explica o agente federal Fábio Jorge.
A regra serviu de parâmetro para deflagração de operação em Arapiraca, quando sete empresários foram presos acusados de fraudar processos licitatórios para a venda de merenda a prefeituras de cinco cidades agrestinas. Para surpresa de quem testemunhou as detenções no interior e a chegada dos acusados ao IML de Maceió, ninguém tinha pulsos presos às fechaduras.
"Como não eram perigosos e resolveram colaborar, certamente não houve necessidade de utilização de instrumentos para limitar seus movimentos", completou o agente, também assessor de imprensa da PF em Alagoas.