domingo, 24 de abril de 2011

Memórias de um Advogado Iniciante ensinando Direito (e direito) na PM/AL


Uma das minhas paixões sempre foi lecionar. Tanto que eu costumo dizer que sou mais professor do que advogado. A prática de advocacia é importantíssima para complementar a teoria de sala de aula. Em setembro do ano passado, iniciei o desafio de ensinar. Logo onde ? Na Polícia Militar do Estado de Alagoas, curso de formação de praças.

O que eu notei nesta turma nova é um perfil diferenciado dos mais antigos. A maioria dos atuais possui nível superior em andamento ou concluído. Mas o que leva, então, esse pessoal a entrar na carreira militar ? Vocação ? Não, é mais a necessidade mesmo. Não que a carreira militar seja um demérito, de forma alguma. Mas as humilhações a que os alunos são submetidos no curso, por alguns "oficiais superiores", são revoltantes. E desnecessárias: Em que isto forma o militar ? Só se for para que ele saia por aí batendo nas pessoas, como alguns antigos ainda fazem. Lembro que já ensinei uma turma de militares antigos e um deles me disse: "A gente é do tempo do pau de arara, professor". E eu respondi: "Vocês podem até ser do tempo do pau de arara, mas os tempos mudaram e vocês só vão perceber isto quando começarem a chover representações por abuso de autoridade". Qual a finalidade de "formar" alguém assim, além de sadismo ? Será que os oficiais o fazem para compensar algum tipo de impotência ? Não é por outro motivo que pesquisas recentes apontaram que a maioria dos agentes policiais não tem condições psicológicas de portar armas.

Há algumas semanas atrás, uma denúncia anônima sobre o tratamento dispensado aos alunos do curso de formação chegou à Comissão de Direito Humanos da OAB/AL. A notícia foi encaminhada ao Ministério Público. Por ser anônima, remeteram à própria Polícia Militar de Alagoas, para que instaure procedimento apuratório (só pode ser brincadeira...). Alguém imagina qual será o resultado deste procedimento ?

É sabido que dificilmente se mudam velhos hábitos, mas é possível conscientizar o novo. Foi essa a maior preocupação que eu tive ao ministrar as aulas. Ao invés de apenas jogar meia dúzia de teorias na mente dos alunos, sempre abordava algum tema que tivesse relação com a carreira deles: Excepcionalidade do uso de algemas, por exemplo, tópico que até abordei no blog. E todos estes temas remontavam a um só: Tratamento digno ao cidadão.

E na última terça feira (19), cerca de 500 (quinhentos) novos militares se graduaram. Destes, fui instrutor de duas turmas, cada uma com média de 35 (trinta e cinco) alunos. Grande emoção senti ao vê-los chegar ao final, apesar das dificuldades, recebendo o certificado das mãos de seus familiares. Ainda bem que os óculos escuros me socorrem nos momentos em que eu me emociono.

Nas últimas aulas, ao me despedir das turmas, sempre digo que se eles reclamam da velha estrutura militar, cabe a eles modificá-la, afinal de contas eles serão os próximos oficiais, e que realmente sejam superiores, em caráter; que o sofrimento até lapida a alma, mas não pode modificar a essência (é aquela frase sempre citada de Che Guevara: Tem que endurecer, mas sem perder a ternura, jamais); que saibam (e tendo sido meus alunos, eles sabem. Esta lição eu ensinei) que, na Administração Pública, o PODER está adstrito a um DEVER, o dever de bem servir a população que tanto espera deles.

Tenho profunda admiração pelos meus alunos da PM/AL... por enquanto, só admiração. Quero, futuramente, ter orgulho. Portanto, e eu sempre finalizo a minha matéria passando aos meus alunos um último dever de casa: Façam com que o professor se orgulhe de vocês.

Ai, gente, cadê meus óculos escuros ?

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Os Pais do "Monstro"


Muito se falou no massacre da Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo. Um ex aluno da escola, Wellington Menezes de Oliveira, entrou numa sala de aula e disparou contra estudantes.

Longe de fazer pouco caso da dor das famílias enlutadas, até porque a mídia explorou a questão o quanto pode, não se falou muito do atirador, a não ser para taxá-lo de “monstro” e outros adjetivos típicos do senso comum.

Também não digo, com isto, que o que ele fez não foi errado. Foi... e muito. O grande problema é que a culpa não foi apenas de Wellington. Quem criou o “monstro” ?

Antes de iniciar, vejamos declarações do atirador, extraídas de vídeo por ele gravado e divulgado pela Polícia:

"A maioria das pessoas me desrespeitam, acham que sou um idiota, se aproveitam da minha bondade, me julgam antecipadamente, são falsas (incompreensível). Descobrirão quem sou da maneira mais radical. Uma ação que farei pelos meus semelhantes, que são humilhados, agredidos, desrespeitados em vários locais, principalmente em escolas e colégios, pelo fato de serem diferentes, de não fazerem parte do grupo dos infieis, dos desleais, dos falsos, dos corruptos, dos maus. São humilhados por serem bons"

A frase de Wellington não justifica o crime, mas explica muita coisa. Pior: Mostra que a sociedade está fabricando suas próprias “bombas-relógio”, com esta eterna (e execrável) mania de desprezo ao diferente.

A Teoria da Etiquetação (labelling approach) nos mostra isto: As pessoas são estigmatizadas a tal ponto que acabam adotando a etiqueta, devolvendo à sociedade aquilo que dela receberam. Exemplos disso são os velhos ditos que dizem que: Pobre nasceu para ser bandido, negro correndo é ladrão.

E estas práticas são passadas desde cedo, de geração para geração. Crianças podem ser muito cruéis. É um clichê de filmes hollywoodianos. Nada mais verdadeiro. Isto porque crianças aprendem a cultura do desrespeito por imitação inicialmente, quando os pais fazem comentários grosseiros em casa sobre pessoas obesas, negros, gays, e aplicam em seu microsistema: A escola.

Quando se fala em distribuir kits anti homofobia nas escolas, ainda surgem uma série de fundamentalistas, dizendo que são para fazer apologia à homossexualidade. Materiais como este servem para fomentar uma cultura de respeito, nada mais.

O Brasil não atentou para isto quando ocorreram os primeiros ataques nos Estados Unidos. Claro, não foi aqui. Pra que ? Típico do brasileiro esperar a dor chegar para procurar o médico. Prevenção passa longe daqui, sem dar tchauzinho. E agora se fala em aumentar a segurança nas escolas: Tá, e o que impediria os nossos futuros “monstros” de atirarem em crianças na saída das aulas ? “Foi só uma fatalidade”, disse o Secretário de Educação do Rio de Janeiro, no que foi seguido pelo Ministro Haddad. Claro, uma fatalidade. Quando não se consegue ou não se quer (como é o caso) explicar as causas para um acontecimento, diz-se que foi uma fatalidade.

Fatalidade é que não se tenha pensado que mais cedo ou mais tarde algo assim iria acontecer. Fatalidade é saber que daqui a algumas semanas, o caso cairá no esquecimento e não se tomará qualquer medida de conscientização dos nossos jovens. Fatalidade é ter a certeza de que diversos outros “monstros” estão sendo fabricados, para as próximas capas de jornais e noticiários. Nós somos os pais dos “monstros”, portanto quem pariu Mateus que o embale.