quarta-feira, 16 de março de 2011

Caso concreto: Reexame não é aula ou a (dis)função de um (in)certo laudo pericial


Ingressei com cautelar preparatória em matéria criminal, com vistas a obter a exumação do cadáver de uma parente do autor, uma vez que as circunstâncias da morte eram suspeitas. O exame cadavérico apontava "choque hipovolêmico causado por hemorragia digestiva alta devido à gastrite erosiva hemorrágica difusa" (cuma ?). Ao questionar a médica subscritora do óbito sobre o que seria aquilo, obteve a vaga explicação de que a falecida tinha "um buraco no estômago". O problema é que a falecida nunca apresentou problemas gástricos, causando dúvidas sobre a real causa mortis. Aliada a outras circunstâncias, havia a possibilidade de se estar diante de um homicídio.

Antes de ingressar, lembro-me bem que alguns colegas diziam que seria muito difícil obter decisão favorável, uma vez que os juízes consideram a exumação (desenterramento do cadáver) uma medida extrema.

E não é que a medida foi deferida antecipadamente ?

O Juiz considerou o seguinte:

"São três, portanto, os requisitos legais para a produção antecipada de provas no âmbvito criminal: Necessidade, adequação e proporcionalidade (...) No caso em testilha, o autor pretende que seja reexaminada a causa mortis de sua tia, alegando que, embora conste na declaração de óbito, como tal,  choque hipovolêmico causado por hemorragia digestiva alta devido à gastrite erosiva hemorrágica difusa, não entende o porquê dessa hemorragia, trazendo à baila circunstâncias das quais se infere a possibilidade de a morte de sua tia não ter decorrido de causas naturais, e sim de eventual homicídio. A dúvida, na hipótese apresentada, somente há de ser dirimida através da exumação do cadáver e da necropsia. Por se tratar de suspeita da prática do crime de homicídio, infração sujeita a ação penal pública incondicionada, afigura-se, de igual modo, proporcional e adequada a diligência para produzir o resultado pretendido, qual seja, o esclarecimento das circunstâncias em que se deu a morte da vítima - comprovadamente tia do autor"

Enfim, foi determinada a exumação, mas o Perito (que foi meu professor de medicina legal na Universidade. Péssimo professor, por sinal)  não cumpriu a decisão judicial, que ordenava um reexame no cadáver. Ao saber que havia um atestado de óbito, se contentou em saber de seu teor e explicar ao autor do que se tratava aquele termo técnico contido no exame, elaborando um documento que denominou de auto de exumação. 

Com a juntada do citado documento, foram dadas vistas ao autor, pelo prazo de 5 (cinco) dias.

Atônito com o conteúdo do "auto de exumação", elaborei e protocolei a seguinte Petição:

EXCELENTÍSSIMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ___ª VARA CRIMINAL DA CAPITAL





XXX, devidamente qualificado nos autos, vem, perante V. Exª, por meio de seu advogado, manifestar-se nos termos seguintes:

Pela leitura do documento de fls. 29-30, percebe-se que a decisão não foi cumprida.

Isto porque consta, no auto de exumação, que após o autor ter informado ao perito que a falecida, antes do sepultamento, foi encaminhada ao Serviço de Verificação de Óbito (SVO), a exumação foi suspensa preliminarmente, tendo o perito signatário, o autor desta ação e o auxiliar de necropsia se dirigido ao SVO. Chegando lá, teriam sido informados que o laudo subscrito pela médica XXX, datado de novembro do ano passado, apontou a causa mortis como Choque hipovolêmico causado por hemorragia digestiva alta devido à gastrite erosiva hemorrágica difusa. A seguir, o auto de exumação traz a informação que “diante destes elementos, o perito fez uma explanação da fisiopatologia da morte e o Sr. XXX pode então entender o motivo da real causa da morte”. Não consta, no auto, se foi realmente feito o reexame após a verificação do primeiro laudo, tanto que não se descreve a realização de qualquer procedimento posterior.

Assim, a impressão que se instala, pela leitura do auto, é que o reexame não foi feito. Ao que parece, o perito se contentou em procurar saber da informação contida no primeiro laudo, informação esta que já constava da decisão, e passou a explicar ao autor o que significava toda aquela parafernália técnica. Ocorre que a decisão não requisitou do perito uma explicação ou aula sobre o que é choque hipovolêmico, e sim um reexame cadavérico, uma vez que, diante das circunstâncias fáticas apontadas na inicial, havia dúvida quanto a real causa mortis. Entretanto, a preocupação maior do perito foi a de justificar o primeiro laudo, do qual já se conhecia o teor, ao invés de proceder a novo exame.

Ademais, chega a ser forçado chamar o documento de auto de exumação, vez que ele não contém os elementos que deveria. O que se tem é meia dúzia de citações de compêndios de medicina legal. A peculiaridade de um exame pericial é a descrição técnica daquilo que se pede, não a simples citação de literatura específica, e o perito signatário deveria saber disto, já que é professor da cadeira de Medicina Legal da Universidade Federal de Alagoas. Genival Veloso de França, tão citado no documento, mostra como deve ser feita a necropsia pós exumação e o que deve conter o respectivo laudo:

Depois de exumado o cadáver – ou o que resta dele -, procede-se ao exame com a mesma técnica do exame cadavérico, tendo-se o cuidado de descrever, com detalhes, as vestes, o grau de decomposição e aquilo a que especificamente se propõe a perícia solicitada. Deve-se utilizar a fotografia e, quando necessário, os raios X. É também aconselhável recolher um pouco de terra que se encontra sobre o caixão e fragmentos do pano externo e interno deste, bem como retalhos da roupa do morto, principalmente quando há suspeita de morte por envenenamento. O exame interno deve ser completo – mesmo no que resta do cadáver -, tendo-se o cuidado de distinguir com clareza os achados patológicos e traumáticos das modificações post mortem. Em determinados casos, o exame histopatológico de alguns órgãos e tecidos pode ser realizado, assim como todos os recursos da pesquisa toxicológica e bacteriológica.” (FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p. 403-404, sem destaques em negrito no original)

Vê-se, então, que não houve descrição do estado do cadáver, também não houve registro fotográfico, não se procedeu a exame de órgãos e tecidos, ou seja, não foi cumprida a sentença.

Frise-se que não é a intenção deste advogado celeumar a questão. Mas o nosso objetivo, enquanto operadores do Direito, é buscar o mais próximo da verdade. Ainda que, ao final, seja confirmado o primeiro laudo, é preciso, para dissipar qualquer dúvida, que o reexame seja feito e o laudo seja elaborado da forma correta.

Feitas estas considerações, requer a defesa que, após a manifestação do representante do Ministério Público, seja ordenado ao Diretor do Instituto Médico Legal que designe perito (de preferência, outro que não o signatário), para que proceda ao reexame e elabore um auto de exumação nos moldes corretos, quer dizer, com a exata descrição do cadáver e seu grau de decomposição, registro fotográfico, exame de órgãos e tecidos e a conclusão. Outrossim, requer seja oficiado à Delegacia Geral de Polícia Civil, para que informe se foi instaurado, conforme também ordenado pelo juízo, inquérito policial referente ao caso, bem como o andamento do mesmo.

Só em Alagoas mesmo. Advogado agora tem que fazer constar em petição como o perito tem que fazer seu trabalho, porque ele mesmo não sabe (ou não quer). Não é por acaso que em recente caso de homicídio de grande repercussão no estado, houve desencontro de informações entre Polícia Civil, Instituto de Criminalística e Instituto Médico Legal.

sexta-feira, 11 de março de 2011

As Execuções eternas e o (des)afogamento do Judiciário


Deve ser muito maçante trabalhar em uma vara de execuções fiscais. Sei lá, dá a impressão que o trabalho é um tanto mecânico, sem muitas novidades - Experiência de quem já estagiou numa autarquia federal e os processos de execução eram basicamente a mesma coisa: Uma caça a um tesouro, no mais das vezes inexistente. Quase sempre era um mesmo tipo de petição para todos os processos - . Sem contar que a maioria das varas se encontra abarrotada de processos de execução (fiscal, de título extrajudicial, ou mesmo de título judicial, da época em que a execução era uma ação apartada do processo de conhecimento) em que se esgotaram todas as diligências possíveis e imagináveis. E aí, o que é que a parte exeqüente faz ? Inúmeros pedidos de suspensão. Mal acaba o prazo da suspensão, já vem outro pedido. E o processo vai adormecendo nas prateleiras dos cartórios.

O que fazer, então, quando já se fez a verificação de contas bancárias em nome do executado, já se oficiou ao DETRAN, cartórios de registros de imóveis e o diabo a quatro ? A sugestão está na decisão de processo que patrocinei, representando a parte executada. E aí, caros leitores, é preciso diferençar aquele que ‘não quer pagar’ do que ‘não pode pagar’. A segunda hipótese é a do cliente em questão.

Vejamos o teor da decisão que enterrou esse processo:

“Cuida-se de processo de execução que vem se arrastando setembro de 2007 na busca de bens no patrimônio do devedor para satisfação do débito exeqüendo, sem qualquer êxito. Neste período, foi, inclusive, deferida e renovada, de ofício, ordem de bloqueio de valores depositados em instituições financeiras visando a satisfação do credor, sem qualquer sucesso. A perpetuação de tal situação, por óbvio, não atende aos ditames dos princípios da segurança jurídica, da economia processual, e, principalmente, da razoabilidade, eis que a energia despendida na persecução de créditos em tais situações, além de inútil e cara, por certo que atrapalha a regular tramitação de feitos outros com muito mais chance de sucesso. Isto posto, tendo sido realizadas por este juízo todas as diligências requeridas e vislumbradas pelo credor, indefiro o pedido de concessão de novo prazo de suspensão e determino sejam os presentes autos remetidos ao arquivo com baixa na distribuição. Ressalte-se que a qualquer tempo, desde que, e somente se, forem trazidos aos autos indicação do endereço do executado e/ou de localização de bens suscetíveis de penhora, e/ou qualquer requerimento outro de uma providência concreta, poderão os mesmos ser desarquivados e ter seu curso retomado, enquanto não prescrita a pretensão executória. Intimem-se. Acaso existentes, liberem-se os insignificantes valores penhorados*, via BACENJUD.”

* Os insignificantes valores penhorados, via BACENJUD, a que se refere a decisão, correspondem a R$ 0,38 (trinta e oito centavos).

Já era...

segunda-feira, 7 de março de 2011

Folia com responsabilidade, ok, pessoas ?


Você pensa que cachaça é água ? Cachaça não é água, não...