quinta-feira, 26 de maio de 2011

Professora Amanda Gurgel: "Sou eu a redentora do país ?"




Audiência pública sobre o cenário atual da educação no Rio Grande do Norte

Presidente: Dando continuidade e respeitando as inscrições, vamos ouvir agora a palavra da professora Amanda Gurgel.

Amanda Gurgel: É... Bom dia a todas e todos. Eu, durante cada fala aqui, eu pensava em como organizar a minha fala. Né ? Porque, assim, são tantas questões a serem colocadas e tantas angústias, né, do dia-a-dia de quem está em sala de aula, de quem está em escola e eu queria, pelo menos, conseguir sintetizar minimamente essas angústias. Mas também como as pessoas... É... apresentam muitos números e como sempre colocam, os números são irrefutáveis, eu gostaria também de apresentar um número pra iniciar a minha fala, que é um número composto por três algarismos apenas, bem diferente dos outros que são apresentados aqui com tantos algarismos, que é o número do meu salário números, né ? Um 9, um 3 e um 0, meu salário base: 930 reais. E aí eu gostaria de fazer uma pergunta a todas e todos que estão aqui, se em nível superior e com especialização... é... se vocês conseguiriam, mas também respondam só se não ficarem constrangidos, obviamente. Se vocês conseguiriam sobreviver ou manter o padrão de vida que vocês mantém com este salário. Não conseguiriam. Certamente esse salário, ele não é suficiente pra pagar nem a indumentária, né, que os senhores e as senhoras utilizam pra poder freqüentar esta casa aqui, não é ? Então, assim, a minha fala não poderia partir de um ponto diferente desse porque só quem está em sala de aula, só quem está pegando três ônibus por dia pra poder chegar ao seu local de trabalho – ônibus precário, inclusive – é que pode falar com propriedade sobre isso. Fora isso, qualquer colocação que seja feita aqui, qualquer consideração que seja feita aqui, é apenas para mascarar uma verdade, que é uma verdade visível a todo mundo, que é o fato de que em nenhum governo, em nenhum momento que nós tivemos no nosso estado, na nossa cidade, no nosso país, a educação foi uma prioridade... em nenhum momento, certo ? Então, assim, me preocupa muitíssimo a fala da maioria aqui, inclusive da Secretária Betânia Ramalho, com todo o respeito, que é: Não vamos falar da situação precária porque isso todo mundo já sabe. Como assim não vamos falar da situação precária ? Gente, nós estamos banalizando isso daí ? Estamos aceitando a condição precária da educação como uma fatalidade ? Estão me colocando dentro de uma sala de aula com um giz e um quadro pra salvar o Brasil, é isso ? salas de aula superlotadas, com os alunos entrando a cada momento com uma carteira na cabeça, porque não tem carteiras nas salas... sou eu a redentora do país ? Não posso, não tenho condições, muito menos com o salário que eu recebo, ta certo ? A Secretária disse ainda que nós não podemos ter... é... ser imediatistas, ver apenas a condição imediata, precisamos pensar a longo prazo, mas a minha necessidade de alimentação é imediata, a minha necessidade de transporte é imediata, a necessidade de Jéssica de ter uma educação de qualidade é imediata, certo ? Então eu gostaria de pedir aos senhores, inclusive, que se libertem dessa concepção errônea, extremamente equivocado, isso eu digo com propriedade porque sou eu que estou lá - inclusive... além... propriedade maior até do que os grandes estudiosos – parem de associar educação com professor dentro de sala de aula, parem de associar isso daí. Porque não tem como você ter qualidade em educação com professores três horários em sala de aula, certo ? Porque é isso... é assim que os professores multiplicam os 930: 930 de manhã, 930 à tarde, 930 à noite, pra poder sobreviver. Não é pra andar com bolsa de marca nem pra usar perfume francês. Certo ? É pra ter condição de pagar a alimentação dos seus filhos. É pra ter condição de pagar uma prestação de um carro, que muitas vezes eles compram pra poder se locomover mais rapidamente entre uma escola e outra e que eles precisam escolher o dia em que vão andar de carro porque não têm condição de comprar o combustível. Ta certo ? Então a realidade nossa, o cenário da educação no Rio Grande do Norte hoje é esse. E eu não me sinto constrangida em apresentar o meu contra-cheque, nem a aluno, nem a professor, nem a nenhum dos senhores aqui porque eu penso que o constrangimento deve vir de vocês. Sinto muito. Eu lamento. Mas deveriam todos estar contran... constrangidos. Entende ? Então assim: Entra Gover... Entra governo e sai governo, eu peço, desculpe mais uma vez, Bethânia, mas não tem novidade na sua fala. Sempre o que se solicita da gente é paciência, é tolerância, e eu tenho colegas que estão aguardando pacientemente há quinze anos, há vinte anos por uma promoção horizontal. Professores que morrem e não recebem uma promoção. Então eu quero pedir, à Secretária, em primeiro lugar, paciência também, porque nós não agüentamos mais esse discurso, não agüentamos. O que nós queremos é objetividade. Como é que é ? Queremos sair desse impasse ? Queremos. Mas como ? Sem nenhuma proposta, de mãos abanando ? Voltar mais uma vez desmoralizado pra sala de aula pro aluno dizer: “Professora, a gente ficou aqui sem ter aula e só isso ? Cês receberam 20 reais, 30 reais”, dão risada. Pedimos ainda, Secretária, respeito, pra que a Senhora não vá mais à mídia dizer assim: Pedimos flexibilidade, como se nós fôssemos os responsáveis pelo caos, que na verdade só se apresenta pra sociedade quando nós estamos em greve, mas que ta lá, todos os dias, dentro da sala de aula, dentro da escola, em todos os lugares. Certo ? Então respeito: Nãos e refira à nossa categoria dessa forma, não se refira. Nem se refira apenas como se fosse a direção do SINTE que ta querendo fazer essa greve. Não é não, é 90% da categoria. 90% da categoria nos... no estado inteiro, nos interiores, aqui na capital. Certo ? Pedimos aos Deputados apoio. Estejam mais presentes, participem ali, vão à nossa Assembléia, procurem ouvir esses trabalhadores, procurem saber a realidade. Certo ? Pedir à Promotoria que esteja... que esteja com a fiscalização efetiva, ao Ministério Público. Que não seja... não seja pra dizer “professor não pode comer desse cuscuz, não” porque é um cuscuz alegado que a gente come, o cuscuz da merenda, porque a promotoria ta pra lhe dizer que a merenda é do aluno, não é do professor. Certo ? É assim que funciona. Diga-se de passagem nós não temos recursos pra... pra... é estar nos alimentando diariamente fora de casa, não temos pra isso. Certo ? Então, são muitas questões mais complexas. Certo ? São muitas questões muito complexas que poderiam ser colocadas aqui, mas infelizmente o tempo é curto e eu gostaria de solicitar isso, em nome dos meus colegas que comem o cuscuz alegado, em nome dos meus colegas que pedem... pegam três ônibus pra chegar ao seu local de trabalho, em nome de Jéssica, que ta sem assistir aula nesse momento, mas que fica sem assistir aula por muitos outros motivos, por falta de professor, por falta de merenda. Certo ? É isso que eu quero dizer.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Martírio e Êxtase de Santa Teresa

Como nem só de Direito vive o operador do Direito, trago hoje um poema de Milton Rosendo, que interpretei numa das aulas de Voz e Dicção do meu curso de teatro. Trata-se de "Martírio e Êxtase de Santa Teresa". O poema faz alusão à escultura "Êxtase de Santa Teresa", de Gian Lorenzo Bernini, esculpida durante o período de 1645 a 1652, seguindo as tendências do estilo barroco. A imagem representa a experiência mística de Santa Teresa de Ávila, trespassada por uma seta de amor divino, atirada por um anjo. Atualmente, a escultura se encontra num nicho de mármore e bronze dourado, na Capela Cornaro, Igreja de Santa Maria della Vitoria, em Roma.





Tal qual retrata a imagem, o poema citado, transcrito abaixo, mostra que Santa Teresa, apesar da dor causada pela flecha, se mantém em estado de graça, de êxtase, porque aquilo representa seu encontro com o divino, com Deus, seu verdadeiro amor.

Martírio e Êxtase de Santa Teresa
Milton Rosendo

Ao que me busco, acho graça em estar perdida
E mui esvaída em contusões de lusco-fusco -
E frustro o anseio de vencer se me acho vencida
E aprisionada neste amor mui suave e brusco...,

Ao que de mim me alongo como que extraviada
(E qual não se me açoitasse o ser seu carmesim...),
Descubro-me a um sem-fim de dores agregada
E como se dor alguma houvesse em mim...

Tesouro encontro em mais me fazer exaurida
E amar qual morrera e não morresse o todo -
Que, em amar, morrendo, nunca se apaga a vida
Nem em morrer, amando, a alma afunda em lodo...

Bastante em não me agradar seja eu agradada
(Que, para si, sem erro, o perder-se é achado...),
Pois, neste mundo, o tudo se assemelha ao nada:
Mais folgue a alma, em amor, esperar seu amado!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Caso Concreto: Prescrição Retroativa (ou O Tempo como Pena)

A persistência da Memória, de Salvador Dalí

Em dezembro de 2009, bem no comecinho da carreira (mal tinha completado um ano de advocacia), foi realizado um mutirão de júris pelo Poder Judiciário (na ocasião, eu até era entusiasta dessa prática; hoje já sou contrário, por causa da desorganização e por este tipo de iniciativa prezar por rapidez nos julgamentos, ao invés de qualidade). Como há uma deficiência de defensores públicos, a OAB convocou alguns advogados para atuar voluntariamente nestes júris. E lá fui eu. Cada advogado teria a colaboração de estudantes de faculdades locais, servindo como estagiários.

Um dos casos que peguei foi o de um homem de idade avançada (cerca de 60 anos quando do julgamento), acusado de ter assassinado um morador de rua em 1992. Ele alegou legítima defesa desde o início e não havia porque discordar da tese. Quando do crime, não havia qualquer indicação inicial de autoria, eis que ele se apresentou voluntariamente na delegacia para contar sua história. Além disso, não havia testemunhas. O que o levou a júri foi sua própria confissão.

Só um dos jurados entendeu que houve legítima defesa. Os demais acompanharam a promotoria, no sentido de que, se é que houve legítima defesa, houve excesso. Interessante é que houve verdadeira inversão do ônus da prova neste caso, porque o júri aceitou uma versão de que o réu não comprovou que houve legítima defesa. A acusação é que teria que provar que não houve. Enfim, é o famoso "in dubio pau no reu".

Interessante é que mesmo perdida a batalha, não significa que a guerra esteja perdida também. E eu diria que nem a batalha foi perdida. Apesar da condenação, o fato de ele ter passado todo o processo em liberdade e o quantum da pena aplicada (7 anos e seis meses) permitiriam a ele passar longe do regime fechado. Como aqui em Alagoas, a colônia agrícola São Leonardo, local de cumprimento de penas em regime semi-aberto, encontra-se desativada, o condenado cumpre a pena em casa, tendo que comparecer ao juízo mensalmente.

Porém, as estagiárias chegaram a uma conclusão que, pela quantidade de júris que realizei naquele dia, me fugiu: A prescrição reatroativa. Já havia passado mais de 12 (doze) anos, do recebimento da denúncia até a publicação da pronúncia (sequer houve publicação da pronúncia, então o prazo continuava a fluir). Como a pena era menor que 8 (oito) anos, o fato prescrevia retroativamente em 12 (doze) anos.

Disse a elas que teríamos que esperar 5 (cinco) dias, porque a alegação de prescrição retroativa exige que a sentença transite em julgado para a acusação primeiro. Como não tinha procuração nos autos, protocolei petição em nome próprio, explicando os motivos que me levavam a peticionar e salientando que prescrição era matéria conhecível de ofício. Transcrevo, abaixo, os argumento utilizados na petição, suprimindo, por motivos óbvios, o nome do réu:


EXCELENTÍSSIMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 8ª VARA CRIMINAL DA CAPITAL





(...)

O réu foi condenado, pelo crime capitulado no art. 121, caput, do Código Penal Brasileiro, à pena de 7 anos e 6 meses de reclusão, a ser cumprida em regime semi-aberto. Na ocasião, apenas a defesa apelou da decisão.

Com a aplicação de pena in concreto, percebe-se que a punibilidade do réu encontra-se extinta, dada a ocorrência da chamada prescrição retroativa, prevista no art. 110 do CPB.

Mesmo que V. Exª não reconheça a capacidade postulatória deste advogado para realizar qualquer tipo de manifestação na presente causa, é medida de justiça que considere e analise o teor desta petição, haja vista que a prescrição pode ser reconhecida de ofício. Ademais, o único propósito do requerente é contribuir com o judiciário alagoano, o mesmo motivo que o levou a participar dos mutirões, bem como a comoção pela situação do réu, um senhor humilde que há 17 (dezessete) anos vem respondendo a este processo, injustamente, na singela opinião deste advogado.

Pois bem, sendo a pena aplicada inferior a 8 (oito) anos, dá-se a prescrição em 12 (doze) anos. A denúncia foi recebida em 22/03/93 (conforme anotação “recebo a denúncia”, na própria exordial acusatória, à fl. 02). A decisão de pronúncia foi prolatada em 18/02/2005 (fls. 86-90), sendo que não consta a data de sua publicação, apenas a da ciência do Ministério Público e do defensor público que assistiu o réu à época. Aquele manifestou sua ciência em 03/05/2005, enquanto este o fez em 19/05/2005 (ver fl 90). O réu foi intimado da sentença via carta precatória no dia 26 de abril de 2005 (fl. 93). Portanto, à ausência de publicação da sentença no DOE, a prescrição não foi interrompida. E mesmo que se considere como marco interruptivo a data da ciência do réu ou de seu defensor, já havia transcorrido lapso temporal superior a 12 (doze) anos do recebimento da denúncia.

A jurisprudência é pacífica no sentido de que não basta a prolação da sentença de pronúncia como marco interruptivo da prescrição, devendo a mesma ser publicada:

TENTATIVA. REDUÇÃO NA FRAÇÃO MÁXIMA. REDIMENSIONAMENTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DECLARADA. Considerando que o réu se encontrava completamente embriagado no momento do assédio à vítima, sendo que sequer chegou a se despir ou mesmo tirar as vestes da companheira, bem como que não apresentou sinais perceptíveis de excitação, verifica-se que restou muito longe da consumação do delito, o que autoriza a redução da sanção privativa de liberdade na fração máxima de 2/3. A par disso, tendo transcorrido prazo superior a quatro (4) ano entre a data do recebimento da denúncia e a data da publicação da sentença de pronúncia, deve ser declarada a extinção da punibilidade do delito, pela prescrição retroativa, com fulcro nos arts. 107, IV, 109, V, e 110, §1º, todos do Código Penal. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70025822826, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Danúbio Edon Franco, Julgado em 10/09/2008)

Como a sentença condenatória foi proferida no dia 28/11, o prazo para interposição de recurso por parte da acusação, que é de 5 (cinco) dias, iniciou no dia 30/11, esgotando-se no dia 04/12, o que autoriza o reconhecimento da prescrição, mesmo havendo apelação por parte da defesa, já que tal reconhecimento extingue a punibilidade, beneficiando o réu.

Diante do exposto, requer que V. Exª, reconhecendo a ocorrência da prescrição retroativa entre a data do recebimento da denúncia e a publicação da sentença de pronúncia, publicação esta que não ocorreu, declare extinta a punibilidade do réu XXX (nome suprimido por questões éticas).

Nestes Termos,
Pede e Espera Deferimento.

Maceió, 07/12/2009

O Juiz da 8ª Vara Criminal, José Braga Neto, encaminhou os autos ao MP para ofertar parecer. Pasmem: O processo ficou mais de um ano com o promotor (talvez inconformado em ter que dar um parecer reconhecendo a prescrição). Demorou, mas saiu, em março deste ano, o tal parecer. E, no início deste mês de maio, o magistrado, reconhecendo a tese defensiva, extinguiu a punibilidade do réu.

O que me sensibilizou - e às estagiárias - na causa foi a idade avançada e a falta de condições financeiras do réu. Se ele cometeu um crime, o tempo foi o maior castigo, porque se responder a um processo já é uma punição, pela mácula que gera na pessoa, que se dirá no caso de processo que iniciou em 1992 e só agora chegou ao fim!!! Culpado ou não, ele cumpriu uma pena, embora a prisão tenha sido psicológica.