Já havia recebido um pedido aqui no blog para tratar do tema. Recentemente, com a prolação de sentença referente à questão, me veio a inspiração (e o material de pesquisa) necessária para abordar a alteração registral.
A matéria é regida pela Lei de Registros Públicos (Lei Nº 6.015/73). O art. 109, especificamente, prevê que “Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifique assentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco dias, que correrá em cartório”.
A Justiça brasileira impõe, como regra, a imutabilidade do nome. Entretanto, o art. 57 da Lei de Registros Públicos admite a alteração posterior. Vejamos:
Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei
Pois bem, no caso que patrocinei, a autora, já um senhora, pretendia incluir, ao final de seu nome, o sobrenome de seu avô paterno, e também sobrenome de seu pai. Ela já possuía um dos sobrenomes do pai – o famoso ‘Silva’ – mas queria acrescer aquele outro sobrenome, pelo qual o avô era mais conhecido. Além disso, o irmão e as filhas dela já ostentavam o sobrenome. Em um dos trechos da inicial, asseverei o seguinte:
“Assim, não se trata de um capricho, e sim do resgate da memória familiar, de trazer esta raiz e a simbologia que ela representa para si. Não é apenas um nome: É sentimento, é herança, é lembrança, é dignidade. Como médica competente, a autora acha justo elevar o nome paterno, dado o prestígio profissional do qual goza, como forma de agradecer àqueles que a ajudaram a galgar os degraus de seu sucesso profissional e da formação de seu caráter, o que é raro nestes tempos em que as relações familiares se tornam cada vez mais distantes.”
Ainda juntei bastante jurisprudência pertinente, a título ilustrativo:
Requerimento de inclusão de patronímico. Acréscimo de apelido de família do genitor e de avó paterna. Alegação do requerente de que o sobrenome Penfold foi omitido, sendo necessário para dar continuidade ao nome de família. Sentença de improcedência. O patronímico indica o tronco familiar do indivíduo, sendo importante para a continuidade do nome da família. O artigo 57 da Lei nº 6.015/1973 permite motivadamente a alteração de nome. Necessidade de se manter a identificação do indivíduo no contexto social, preservando a linhagem familiar que está relacionada com a ascendência e ligada ao estudo genealógico. Prova inconteste a respeito da possibilidade do acréscimo do patronímico. Penfold é elemento constitutivo do patronímico do requerente, devendo ser reformada a sentença, para que o apelante passe a assinar RAFAEL DA ROCHA SANTOS PENFOLD. Diante do exposto, DÁ-SE PROVIMENTO DO RECURSO. Vencido o Des. José de Samuel Marques. (TJ/RJ. Apelação Cível. Processo Nº 2008.001.34118. Relator: Des. Sirley Abreu Biondi. Órgão Julgador: 13ª Câmara Cível. Data de Julgamento: 06/08/2008)
APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. INCLUSÃO DE SOBRENOME. POSSIBILIDADE.Trata-se de ação de retificação de registro civil em que se pretende a inclusão de sobrenome familiar que se perdeu com o passar das gerações. Possibilidade. Desenvolvimento da sociedade, recém saída de um nebuloso período autoritário e retornando à aprendizagem democrática e ao convívio com a liberdade, que exige uma reinterpretação da Lei de Registros Públicos à luz dos novos mandamentos Constitucionais, os quais devem ser interpretados e aplicados de forma a garantir-lhes máxima efetividade. Nome familiar que possui grande importância para a constituição moral do indivíduo, sendo ele o primeiro elemento de conforto e confiança do ser humano perante a sociedade. Hipótese em que se verifica um verdadeiro movimento familiar no sentido de resgatar as origens históricas da família, tendo em vista que não só o apelante, mas seu pai, seus irmãos, seus tios e sua avó também ingressaram com ações com mesmos pedidos e causa de pedir; sendo certo, outrossim, que um de seus tios já obteve provimento judicial a si favorável. A única restrição que deve ser feita em casos desse jaez recai na possibilidade de o interesse na modificação do nome advir de tendências escusas, como, por exemplo, a de se ocultar de responsabilidades ou de obrigações assumidas, o que evidentemente não é a hipótese dos autos, visto ser o autor menor impúbere, contando, atualmente, com dois anos de idade. Exigência de que se respeite a cadeia registral feita pelo Ministério Público que se mostra em descompasso com as normas constitucionais que privilegiam a liberdade (erigida a objetivo fundamental da República) e a identidade como parte integrante dos direitos da personalidade. Reforma da sentença a fim de se permitir a inclusão do nome de família dos ancestrais do apelante, na forma requerida na inicial. Provimento de plano do recurso, nos termos do art. 557, §1º-A, do CPC. (TJ/RJ. Apelação Cível. Processo Nº 0000007-75.2009.8.19.0000 (2009.001.35961). Relator: Des. Ismenio Pereira de Castro. Órgão Julgador: 14ª Câmara Cível. Data de Julgamento: 11/08/2009)
DIREITO CIVIL. ALTERAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. ACRÉSCIMO DE PATRONÍMICO DA AVÓ PATERNA. ADMISSIBILIDADE EXCEPCIONAL. JUSTA MOTIVAÇÃO. MANIFESTAÇÃO FAVORÁVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DEFERIMENTO. APELAÇÃO PROVIDA. ACOLHIMENTO DO PEDIDO. Tal como, em princípio, o prenome, o apelido de família é inalterável. Como exceção à regra, desde que haja justo motivo e não se prejudiquem os apelidos de família, permite-se, ouvido o Ministério Público, com a devida apreciação Judicial, sem descurar das peculiaridades do caso concreto, a retificação do nome civil no assento do nascimento no cartório de registro civil. No caso em apreço, além de preservar o nome da família de seu pai, não há indícios de que a inclusão do patronímico da avó paterna ao nome do requerente no assento do seu nascimento no registro civil venha a prejudicar terceiros e o apelido da família de sua mãe. A hipótese vertente insere-se no âmbito de autorização do artigo 109 da Lei nº 6015/73, considerando que o pedido está devidamente justificado, com o aval do Ministério Público. (TJ/MG. Apelação Cível. Processo Nº 1.0024.06.056834-2/001(1). Relator: Armando Freire. Data de Julgamento: 04/09/2007. Data de Publicação: 19/09/2007)
RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. INCLUSÃO. APELIDO DE FAMÍLIA. NOME AVÓ MATERNA. POSSIBILIDADE. Inexiste proibição legal para inclusão no apelido de família do sobrenome da avó materna, uma vez que comprovadas as circunstâncias permissivas da inclusão, procede o pedido de retificação. Admissível a Retificação de Registro Civil para que se acrescente ao nome o patronímico da avó materna, posto que se trata de um direito amparado por lei, uma vez presente a circunstância do nascimento legítimo. (TJ/MG. Apelação Cível. Processo Nº 1.0024.08.246037-9/001(1). Relator: Belizário de Lacerda. Data de Julgamento: 29/09/2009. Data de Publicação: 06/11/2009)
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE ASSENTAMENTO NO REGISTRO CIVIL – ADIÇÃO DE PATRONÍMICO DO AVÔ MATERNO AO NOME DO REQUERENTE – PRESERVAÇÃO DO NOME DE FAMÍLIA – POSSIBILIDADE DO PEDIDO – SENTENÇA REFORMADA. 1 - ""É legítimo o pedido de retificação no assento de nascimento, relativamente ao patronímico, a fim de preservar o nome de família, ajustando-a à realidade."". (TJMG - Ap.225.103-1- 3ºC.Cív.-Rel. Des. Kildare Carvalho. J.07.02.2002). 2 – Recurso a que se dá provimento. (TJ/MG. Apelação Cível. Processo Nº 1.0027.04.038330-2/001(1). Relator: Batista Franco. Data de Julgamento: 17/05/2005. Data de Publicação: 10/06/2005)
Se comprovado que o autor é o único dos netos que não ostenta o apelido de família, é de se autorizar a retificação de seu registro, posto que se trata de um direito personalíssimo do retificante, e, ademais, o fim e o objetivo maior do Direito não é outro, senão o de atingir a maior e melhor harmonia social possível, para o que, naturalmente, muito conta o bem estar pessoal de cada cidadão. (TJ/MG. Apelação Cível. Processo Nº 1.0024.08.223732-2/002(1). Relator: Edivaldo George dos Santos . Data de Julgamento: 29/09/2009. Data de Publicação: 16/10/2009)
ALTERAÇÃO DE NOME. ACRÉSCIMO DO SOBRENOME DO AVÔ ADOTIVO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. A imutabilidade do nome decorre do princípio da segurança jurídica. Preserva-se o nome com fim de não se prejudicar terceiros e os apelidos de família. Contudo, há situações em que o princípio da segurança jurídica pode ser relativizado como forma de se efetivar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. O nome é traço fundamental da personalidade. É a partir dele que a pessoa se relaciona consigo mesma, com terceiros e com o mundo. O nome é uma representação simbólica da pessoa humana, dando-lhe um traço distintivo e singular perante a universalidade de pessoas. Daí porque a sua imutabilidade pode ser flexibilizada, quando a pessoa o desejar e não causar prejuízos a terceiros e aos apelidos de família. (TJ/MG. Apelação Cível. Processo Nº 1.0145.05.273264-4/001(1). Relator: Maria Elza. Data de Julgamento: 26/10/2006. Data de Publicação: 24/11/2006)
ALTERAÇÃO DE NOME - SUPRESSÃO DE PATRONÍMICO DE FAMÍLIA - ACRÉSCIMO DE OUTRO PATRONÍMICO - POSSIBILIDADE TANTO DA SUPRESSÃO QUANTO DO ACRÉSCIMO DESDE QUE NÃO TRAGA PERDA DA PERSONALIDADE E PREJUÍZOS A TERCEIROS. A expressão "qualquer alteração posterior" contida no artigo 57 da Lei 6.015/73 não é restritiva e sim extensiva, no sentido de permitir tanto o acréscimo, quanto a retirada de patronímico, desde que tal alteração não leve à perda de personalidade e à impossibilidade de identificação da pessoa, nem prejudique a terceiros. Não demonstrada pelo menos a probabilidade de qualquer dessas conseqüências, nada obsta ao deferimento de retificação do nome no registro civil. (TJ/MG. Apelação Cível. Processo Nº 1.0183.04.071703-9/001(1). Relator: Vanessa Verdolim Hudson Andrade. Data de Julgamento: 05/03/2005. Data de Publicação: 06/05/2005)
Nestes casos de alteração registral, a principal preocupação é que o pleito não tenha como pano de fundo eximir o autor de responsabilidade criminal ou dívidas. Juntei, com a exordial, certidões negativas da autora.
Pois bem, protocolei a petição em março; o representante do MP opinou pela procedência. A sentença saiu no primeiro dia de junho.
Para minha (grata) surpresa, o juiz entendeu desnecessária a oitiva da autora e de testemunhas, julgando a ação procedente, de plano. Efeito, claro, das certidões negativas que vieram com a peça.
“Nesses termos, entendo que a requerente preencheu a contento os requisitos necessários para a retificação de seu registro de nascimento, consignados expressamente na Lei de Registros Públicos, sendo desnecessária a oitiva de testemunhas ou a juntada de quaisquer outras provas.”
Outros casos em que é necessária a alteração registral é quando o nome expõe seu titular a constrangimento. Tem-se, como exemplo, os nomes que servem a ambos os sexos, pois confundem terceiros acerca do sexo da pessoa.