Não sou muito fã da Justiça Trabalhista, admito. Na época da faculdade, até gostava de Direito Material do Trabalho, disciplina ensinada magnificamente pelo Professor João Leite. Mas no ano seguinte, o professor de Processo do trabalho fez com que não só eu, mas boa parte da classe, pegasse um desgosto profundo pela área trabalhista.
Entretanto, sempre que aparece uma causa interessante na área, eu pego, primeiro para ver se me apaixono por Direito Trabalhista; segundo porque dinheiro não tem nome; terceiro porque cada causa significa estudo, ainda mais para um advogado iniciante (e geralmente nós começamos como 'clínicos gerais', depois é que nos aperfeiçoamos), o que pode ser útil em concursos; quarto porque eu quero e pronto (rsrsrsrs...).
Outro fato que me fez nutrir certa antipatia pela área trabalhista é o protecionismo exacerbado que se confere ao 'nem sempre coitadinho' empregado. Eu costumo, inclusive, chamar a Justiça Trabalhista de 'fonte da juventude', por causa de uma cena que presenciei enquanto esperava uma audiência no corredor de um desses fóruns da vida: Uma senhora entrou na sala de audiência com um pano na cabeça, mancando, aparentando estar muito mal, e saiu da mesma sala de audiência andando normalmente, ensaiando até uns pulinhose com aquele pano já enrolado no pescoço (quer dizer, o turbante da sofrida refugiada de guerra tinha virado a echarpe da bonequinha de luxo).
Enfim, na maior parte das questões trabalhistas em que atuei, foi representando empresas (ressalte-se que já agi nos dois polos, tanto patronal quanto do empregado) e eu costumo dizer que, quando se representa alguém nesse lado da batalha, já se começa perdendo, então o talento do advogado está em conseguir o melhor acordo, o mais vantajoso para a empresa. E o caso que narro a seguir retrata bem isso: Fui contratado por uma empresa para representá-la em reclamação trabalhista movido por ex empregado, um vigia que teria trabalhado no estabelecimento de 2002 a 2009 e, segundo alegou, não recebera, durante todo este tempo, adicional noturno, hora extra, intervalo intrajornada, salário família (sobre este ponto, há uma discussão interessante que pontuei no processo e pretendo explicar detidamente), dobras de fins de semana e feriados. resumindo: O cidadão pedia uma quantia que beirava os 30 mil reais. Desse jeito, era melhor fechar a empresa e entregar a chave a ele. Não estou negando direitos dos trabalhadores, mas toda história tem dois lados (até mais de dois) e o lado em que trabalhei foi o da empresa, então meu dever era fazer meu trabalho da melhor maneira possível para o cliente.
Foi designada uma primeira audiência de tentativa de conciliação, mas as partes estavam muito arredias. O processo geralmente acarreta mágoas: O proprietário da empresa dizia que tinha ajudado aquele "ingrato" e o empregado, por sua vez, dizia, que trabalhava que só um escravo e só fecharia acordo por R$ 10 mil. Quando ele disse aquilo, eu já vi uma possibilidade de conciliação: Se o valor pedido inicialmente era R$ 30 mil e ele reduziu 2/3 desse valor, eu poderia fazê-lo diminuir mais ainda, só não seria naquela audiência. Ofereci a contestação. Como foram juntados muitos documentos contábeis à contestação, o juiz deu vista à parte reclamante e designou outra data para a audiência: Em um mês, tempo suficiente para o cinto apertar e a fome falar mais alto.
Neste ponto, faço um parêntese para tratar do salário família, porque vi relevância no tópico e pode auxiliar outros colegas. Na exordial, o empregador simplesmente alegou que tinha dois filhos e que nunca recebeu salário família. Só que, como se trata de verba de interesse do próprio trabalhador, não se aplica a inversão do ônus da prova: Ele tem que comprovar primeiro que os filhos preenchem os requisitos para a concessão do benefício e segundo que entregou ao patrão a documentação pertinente. Reproduzo, nas linhas abaixo, a parte da contestação na qual tratei da questão:
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Assim dispõe o art. 84 do Decreto Nº 3.265/99, ao tratar sobre os requisitos para a concessão do salário família:
Art. 84. O pagamento do salário-família será devido a partir da data da apresentação da certidão de nascimento do filho ou da documentação relativa ao equiparado, estando condicionado à apresentação anual de atestado de vacinação obrigatória, até seis anos de idade, e de comprovação semestral de freqüência à escola do filho ou equiparado, a partir dos sete anos de idade. (sem grifos no original)
Primeiramente, o empregado não citou qualquer prova de que a parte obreira sabia da existência de seus filhos e de que eles estariam em idade para receber o benefício. Sendo fato constitutivo de seu direito, pertence a ele o ônus da prova, até porque o empregador não tem qualquer obrigação de saber de tais detalhes. Também não haveria porque não proceder ao cadastramento, uma vez que se trata de ônus da Previdência Social, adiantado pelo empregador e depois ressarcido. Se não ocorreu o cadastramento, foi pela falta de iniciativa do empregado.
É muito cômodo, após o término da relação de emprego, vir o autor a pleitear tais ‘direitos’. Mas se esquece de que, para a concessão do salário família, não se leva em conta somente a idade dos filhos, mas a atualização das vacinas e frequência escolar. A questão que se coloca é que, durante todo o período laborativo, o empregado – único interessado - não apresentou os documentos exigidos pelo Decreto. Portanto, não se sabia sequer se ele tinha filhos daquela idade, que dirá se os tais filhos frequentaram escola ou tomaram todas as vacinas obrigatórias, dados estes que, de forma muito conveniente, não são mencionados na peça vestibular.
Neste sentido:
“da simples leitura do dispositivo, verifica-se que é ônus do empregado não só apresentar a certidão de nascimento do filho, como comprovar a freqüência à escola e a submissão à vacinação obrigatória. Trata-se, com efeito, de obrigação que, pela sua própria natureza, não pode ser imputada ao empregador.” (TST. RR 92789/2003-900-04-00.0).
"O pagamento do salário-família é condicionado à apresentação da certidão de nascimento do filho, e à apresentação anual de atestado de vacinação obrigatória." (TRT 14ª Região. RO 311/95, Acórdão 1.594/95, Relator Juiz Carlos Lôbo, DJ de 04.09.1995).
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Na audiência seguinte, com os ânimos mais calmos (e o conselho que eu dei ao meu cliente foi: Baixe o fogo, que você ganha mais), comecei a argumentar com o empregado que ele até poderia ganahr aquele valor, mas que em caso de condenação, eu poderia recorrer, o que levaria bastante tempo, sem contar o trâmite da execução, em que várias 'tranqueiras' podem ser nomeadas à penhora (na época em que era estagiário de uma autarquia federal, já vi até casa de boneca ser nomeada à penhora). Depois dessa pressão leve, o próprio advogado do empregado sugeriu que ele reduzisse a contra oferta para R$ 5mil. Desde a primeira audiência, eu tinha deixado a oferta em R$ 1.000,00 e fiquei só conversando, jogando umas idéias, para ele melhorar a contra proposta, afinal, como filho e neto de comerciantes, negociar bem é um dos meus dons.
Quando ele baixou a contra proposta para 5 mil, ainda vi a chance de jogar mais. Se não desse certo, já estava de bom tamanho, mas quem não arrisca não petisca. Expliquei que não seria vantajoso para a empresa fechar o acordo com R$ 5 mil porque, além de pagar o valor, ainda teria que pagar os honorários de sucumbência, mais Imposto de Renda e contribuições previdenciárias incidentes e as custas processuais.
O empregado, então, reduziu para 3 mil e eu, já prevendo o final, aumentei minha oferta para R$ 2 mil. O juiz fez exatamente o que eu previa, até para acabar logo com aquilo: Medeou o valor em R$ 2.500, o que foi aceito. E mais: A ser pago em quatro suaves prestações mensais.
Dizem que com um acordo, ninguém sai perdendo. Será mesmo ?