sexta-feira, 23 de julho de 2010

Caso Concreto: Multiplicidade de Vítimas no Crime de Latrocínio




Um dos primeiros casos criminais que patrocinei foi o de um jovem acusado de assassinar, em companhia de mais 4 (quatro) elementos não identificados, dois vigilantes durante uma tentativa de assalto a uma usina. Ele havia sido denunciado, em junho de 2008, pelo crime capitulado no art. 157, §3º, 2ª parte, do Código Penal. E mais, o representante do MP ainda entendeu se tratar de crime continuado (art. 71 do Código Penal), pelo fato de terem sido duas as vítimas fatais (esse pessoal gosta de inventar moda, não ?). Em junho do ano seguinte, saiu a sentença condenatória, condenando o réu, nos termos da denúncia, a pena de 28 (vinte e oito) anos de reclusão. Entrei com o recurso de apelação tempestivamente (e a dica que deixo, já que a apelação é uma peça extensa no mais das vezes, é que o advogado apenas interponha o recurso e exponha na peça, com base no art. 600, §4º, do Código de Processo Penal, que irá apresentar as razões em segundo grau. Isso dá mais tempo a ele para preparar o recurso, se ele for organizado e tiver tirado cópia das partes mais importantes do processo em que atua).

Na preparação das razões, argui preliminar de nulidade, evoquei o princípio do in dubio pro reu no mérito e pugnei pela correção na dosimetria da pena, coisa que muitos advogados não fazem por preguiça. Impugnei cada circunstância da pena base, mas o mais importante foi a questão do crime continuado, já que este acarreta grande aumento na pena. Aleguei que, como o legislador colocou o latrocínio como crime contra o patrimônio, e não contra a vida, pouco importa que dele tenha resultado mais de uma vítima: É crime único, e não continuado ou concurso de crimes. O latrocínio é um roubo qualificado pelo resultado morte, portanto a subtração patrimonial é a finalidade; a morte é o meio para conseguir o bem pretendido (não é problema meu nem culpa do réu que o Código Penal tenha considerado a morte como mero detalhe neste tipo). A multiplicidade de vítimas poderia ser considerada como desfavorável na avaliação da pena base. E não estou sozinho: Mostro que há precedentes do STJ e STF sobre o tópico, os quais colaciono abaixo:

HABEAS CORPUS – LATROCÍNIO – APENAS UM PATRIMÔNIO ATINGIDO – LESÕES CORPORAIS CAUSADAS EM SEIS PESSOAS DISTINTAS – OCORRÊNCIA DE CRIME ÚNICO – INEXISTÊNCIA DE CONCURSO FORMAL – ÚNICO BEM JURÍDICO AFETADO – PATRIMÔNIO – MULTIPLICIDADE DE LESÕES QUE DEVEM SER LEVADAS EM CONSIDERAÇÃO DURANTE A FIXAÇÃO DA PENA-BASE, POR TER A VER COM AS CONSEQÜÊNCIAS DO CRIME – TRIBUNAL A QUO QUE REFORMOU, ACERTADAMENTE, A SENTENÇA CONDENATÓRIA PROLATADA CONTRA CO-RÉU EM IDÊNTICA SITUAÇÃO – MESMA TURMA JULGADORA QUE, TODAVIA, DEIXOU DE FAZÊ-LO EM RELAÇÃO AO ORA PACIENTE – FIXAÇÃO DA MESMA PENA IMPOSTA AO CO-RÉU – IMPOSSIBILIDADE – INDIVIDUALIZAÇÃO – ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O roubo qualificado pelo resultado morte (latrocínio) ou lesões corporais permanece único quando, apesar de resultarem lesões corporais em várias pessoas, apenas um patrimônio seja ofendido.
2. Nessa hipótese, a pluralidade de lesões ou mortes deve ser levada em conta durante a fixação da pena-base, por consistir num maior gravame às conseqüências do delito, mas não para configurar eventual concurso formal.
3. Se o Tribunal de 2º Grau, em sede de apelação, reforma a sentença condenatória do co-réu para afastar, acertadamente, a regra do concurso formal, também deveria tê-lo feito com relação ao ora paciente, pois idênticas suas situações, notadamente levando-se em consideração que os recursos foram apreciados pela mesma Turma julgadora (Relator, Revisor e Vogal).
4. Impossível, na presente via, reduzir a reprimenda do paciente para aquela aplicada ao co-réu, tendo em vista que suas penas-base não necessariamente serão as mesmas, eis que o princípio da individualização obriga a estrita observância dos critérios dispostos no artigo 59 do Código Penal, vários deles de caráter pessoal.
5. Ordem parcialmente concedida, apenas para reconhecer a prática de crime único e determinar ao Tribunal a quo que proceda à reestruturação da pena do paciente com relação ao delito contra o patrimônio. (STJ. HC86005/SP. Relatora Ministra Jane Silva, Desembargadora convocada do TJ/MG. Órgão Julgador: 5ª Turma. Data do Julgamento: 28/11/2007. Data da Publicação/Fonte: DJ 17/12/2007 p. 257)

Ementa: "HABEAS CORPUS". LATROCINIO. DIVERSIDADE DE VITIMAS NA EXECUÇÃO DO CRIME. EXCLUSAO DO AUMENTO DA PENA EMBASADO NA CONTINUIDADE DELITIVA. 1. O CRIME DE LATROCINIO E UM DELITO COMPLEXO, CUJA UNIDADE NÃO SE ALTERA EM RAZÃO DA DIVERSIDADE DE VITIMAS FATAIS; HÁ UM ÚNICO LATROCINIO, NÃO OBSTANTE CONSTATADAS DUAS MORTES; A PLURALIDADE DE VITIMAS NÃO CONFIGURA A CONTINUIDADE DELITIVA, VEZ QUE O CRIME-FIM ARQUITETADO FOI O DE ROUBO E NÃO O DE DUPLO LATROCINIO. 2. MANTIDA A CONDENAÇÃO, EXPUNGE-SE DA PENA A MAJORAÇÃO, PORQUANTO NÃO CONFIGURADA A CONTINUIDADE DELITIVA. "HABEAS CORPUS" DEFERIDO, EM PARTE. (STF. HC 71267/ES. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento: 14/02/1995. Órgão Julgador: Segunda Turma. Publicação: DJ 20/04/1995 pp – 09947)

Do mesmo modo, há doutrina qualificada acerca da matéria. Trago citação de Guilherme de Souza Nucci:

Tendo o legislador optado por inserir o latrocínio ou o roubo com lesões graves, como delito qualificado pelo resultado, no contexto dos crimes contra o patrimônio, é preciso considerar que a morte de mais de uma pessoa (ou lesões graves), porém, voltando-se o agente contra um só patrimônio (ex.: matar marido e mulher para subtrair o veículo do casal), constitui crime único. (em Código Penal Comentado. 8ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 735)

Após posicionamento favorável da Procuradoria de Justiça, a Câmara Criminal do TJ/AL deu provimento em parte à apelação, reformando a pena aplicada ao réu apelante, nos termos do voto do relator que, entre outros aspectos, considerou inadequada a incidência da continuidade delitiva.

2 comentários:

  1. Diego, muito boa a sua idéia em colocar este blog ainda se apresentando como um advogado iniciante, sem rodeios...
    Gostei, sinal que de iniciante só em tempo, parece que tem maturidade inclusive profissional.
    Conte comigo.
    Boa sorte.

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  2. Cara Alayde, agradeço as palavras elogiosas. Continue conferindo as novidades do blog. Grande abraço.

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