domingo, 13 de dezembro de 2009

Barrada no Baile


Ihhh... Desse jeito você não entra nem em baile funk, minha filha!!!

Na sentença abaixo, vemos como o instituto do dano moral se banalizou. A autora pretendia indenização por danos morais por ter sido barrada em um evento de gala, tendo a organização da festa entendido que ela não estava usando um traje adequado. Entretanto, após grande escarcéu feito pela mãe da moça, ela acabou entrando. Para começo de conversa, se a pessoa realmente tivesse sofrido humilhação, apta a ensejar dano moral, teria feito questão de entrar na festa ? Ademais, o próprio juiz demonstra insatisfação com o caso levado à sua apreciação, pois considera que há inúmeras questões realmente importantes a se resolver e ele se vê obrigado a resolver um impasse relacionado a um vestido. Claro que a questão poderia ser julgada de outra forma, por outro juiz, mas o sentenciante entendeu que "quem consente com a futilidade a ela está submetida".


Autos n° 075.99.009820-0/0000
Ação: Reparação de Danos/Ordinário
Autor: J. S. S. Repr. p/ mãe Rita de Cássia Souza Silva
Réu: Clube 7 de julho

Vistos, etc.

J. S. S., representada por sua mãe Rita de Cássia Souza Silva, ingressou com Ação de Indenização por Danos Morais contra Clube 7 de Julho, todos qualificados.

Aduz na inicial ter sido barrada na entrada de um baile, quando sofreu danos morais. Pleiteia uma indenização. Deu à causa o valor de R$ 5.440,00.

Juntou documentos. Recebida a inicial, foi registrada e autuada.

Citado, o requerido respondeu, via contestação, quando suscitou preliminar e combateu o mérito. Alega que tratava-se de um baile de gala e que a requerente não estava devidamente trajada. Imputa à mãe da requerente o escândalo ocorrido e, ainda, que a mesma participou, normalmente, do baile.

Houve impugnação.

Realizada audiência de conciliação sem êxito. Saneador proferido no ato.

Designada audiência de instrução e julgamento. Tomou ciência o Ministério Público.

Realizada a audiência de instrução e julgamento, com o depoimento das partes e testemunhas.

Alegações finais por memoriais, quando as partes analisaram as provas e requereram, respectivamente, a procedência e a improcedência da demanda. O Ministério Público manifestou-se pela improcedência da pretensão inicial.

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

Decido.

Excurso.

No Brasil, morre por subnutrição uma criança a cada dois minutos, mais ou menos. A população de nosso planeta já ultrapassou seis bilhões de pessoas e um terço deste contingente passava fome, diariamente. A miséria se alastra, os problemas sociais são gigantescos e causam a criminalidade e a violência generalizada. Vivemos em um mundo de exclusão, no qual a brutalidade supera com larga margem os valores humanos.

O Poder Judiciário é incapaz de proporcionar um mínimo de Justiça Social e de paz a sociedade.

E agora tenho de julgar um conflito surgido em decorrência de um vestido.

Que valor humano importante é este, capaz de gerar uma demanda jurídica?

Moda, gala, coluna social, são bazófias de uma sociedade extremamente divida em classes, na qual poucos usufruem da inclusão e muitos vivem na exclusão. Mas, nos termos do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, cabe ao Poder Judiciário julgar toda e qualquer lesão ou ameaça a direito. É o que passo a fazer.

Da preliminar.

As questões preliminares são referentes às matérias processuais, que inviabilizam a tramitação normal do feito. No presente caso, a preliminar argüida refere-se ao mérito, ou seja, a possível "ausência de qualquer situação que caracterizasse constrangimento, vergonha ou humilhação para a Autora". (29)

Isto refere-se aos fatos e não diz respeito a questões preliminares.

Portanto, como preliminar, indefiro o pedido, pois o mesmo será analisado no mérito.
Do Mérito.

A celeuma refere-se ao fato de a requerente ter sido barrada na entrada de um baile provido pelo requerido. Segundo este, aquela não estava devidamente trajada, pois, nos termos do convite de fls. 11, o traje exigido era de "Gala a Rigor (smoking preto e vestido longo)", e a indumentária utilizada no dia, pela requerente (fotografias de fls. 12), não se enquadrava neste conceito. Já a requerente alega que sim, seu traje era adequado.

Pelas testemunhas inquiridas, vê-se que os fatos não foram além disto, até a presença da mãe da autora, que "esquentou" a polêmica, dando início a um pequeno escândalo, pois exigia o ingresso de sua filha, o que, aliás, acabou ocorrendo, pois ela participou, normalmente, do baile.

Diante destes fatos, o julgamento da lide cinge-se a verificar se o fato de a autora ser barrada na entrada do baile constitui-se em um ilícito capaz de gerar danos morais.

Um primeiro problema que surge é saber enquadrar o conceito de traje de gala a rigor, vestido longo, aos casos concretos, ou seja, aos vestidos utilizados pelas participantes do evento. Nesta demanda, a pessoa responsável pelo ingresso no baile entendeu, em nome do requerido, que o vestido da autora não se enquadrava no conceito. Já a autora e sua mãe entendem que sim.

Como determinar quem tem razão? Nomear um estilista ou um colunista social para, cientificamente, verificar se o vestido portado pela autora era ou não de gala a rigor? Ridículo seria isto.

Sob meu ponto de vista, quem consente com a futilidade a ela está submetida. Ora, no momento que uma pessoa aceita participar destes tipos de bailes, aliás, nos quais as indumentárias, muitas vezes, se confundem com fantasias carnavalescas, não pode, após, insurgir-se contra as regras sociais deles emanadas. Se frívolo é o ambiente, frívolos são todos seus atos.

Na presente lide, nada ficou provado em relação ao requerido, salvo o fato de que a autora foi impedida, inicialmente, de entrar no baile, sendo, posteriormente, frente às atitudes de sua mãe, autorizada a entrar. Não há prova nos autos de grosserias, ou melhor, já que fala-se de alta sociedade, falta de urbanidade, impolidez ou indelicadeza por parte dos funcionários do requerido.

Apenas entenderam que o traje da autora não se enquadrava no conceito de gala a rigor e, por conseguinte, segundo as regras do baile, sua entrada não foi permitida. Isto, sob meu julgamento, não gera danos morais, pois não se trato de ato ilícito. Para quem tem preocupações sociais, pode até ser um absurdo o ocorrido, mas absurdo também não seria participar de um evento previamente organizado com regras tão estultas?

A pretensão inicial é improcedente, pois nos termos do art. 333, I, do CPC, a autora não comprovou qualquer ato ilícito do requerido capaz de lhe causar danos morais.

Para finalizar, após analisar as fotografias juntadas aos autos, em especial as de fls. 12, não posso deixar de registrar uma certa indignação de ver uma jovem tão bonita ser submetida, pela sociedade como um todo, incluindo-se sua família e o próprio requerido, a fatos tão frívolos, de uma vulgaridade social sem tamanho. Esta adolescente poderia estar sendo encaminhada nos caminhos da cultura, da literatura, das artes, da boa música. Poderia estar sendo incentivada a lutar por espaços de lazer, de saber e de conhecimento. Mas não. Ao que parece, seus valores estão sendo construídos pela inutilidade de conceitos e práticas de exclusão.

Cada cidadão e cidadã é livre para escolher seu próprio caminho. Mas quem trilha as veredas das galas de rigor e das altas sociedades, data venia, que aceite seu tempos e contratempos, e deixe o Poder Judiciário cuidar dos conflitos realmente importantes para a comunidade em geral.

Pelo exposto, julgo improcedente a pretensão inicial e condeno a requerente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, em R$ 1.000,00.

Publique-se.

Registre-se.

Intime-se.

Tubarão, 11 de Julho de 2002.
Lédio Rosa de Andrade
Juiz de Direito

Um comentário:

  1. Nosso pais deveria ter mais Juizes com tamanha visão..
    Gilberto

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