segunda-feira, 30 de março de 2009

Vende-se Delegacia

Em novembro do ano passado, fui a uma delegacia no interior do estado para obter informações sobre uma carta precatória. Chegando lá, fui informando que o delegado não se encontrava, mas um dos policiais me encaminhou para falar com a escrivã, para ter acesso ao contéudo da carta, porque não constava, na intimação, sobre qual assunto o cliente deveria depor (é a chamada intimação-surpresa). Assim que o agente policial me apresentou a ela como advogado, ela perguntou a ele: "o cliente dele veio ?". Obtendo uma negativa, ela respondeu ao colega de trabalho, aos gritos: "Eu não tenho nada que ver com advogado de ninguém. Quem tinha que estar aqui era o cliente dele". Mas se era justamente para falar com o Delegado e marcar uma outra data para o rapaz prestar depoimento que eu estava lá...


Calmamente, eu expliquei à escrivã o motivo de minha ida até a delegacia, ao que ela continuou com suas gentilezas: "O seu cliente é acusado de crime tal e qual". Aí eu tive que perguntar: "E é ? Desde quando a senhora é promotora de justiça ou juíza pra dizer o que é um crime ? Eu vim aqui para falar com o Delegado, não com a Srª, mas já que ele não está, eu gostaria de dar uma olhada nos documentos referentes ao caso, porque não consta, na intimação, sobre quais fatos o Sr. Fulano de tal tem que vir prestar esclarecimento"


Então, a educada escrivã disse: "Fui eu que preparei a intimação. Eu não sei como é o modelo das outras delegacias, mas na minha é assim". E eu que, na minha ignorância UFALESCA, achava que o bem público era indisponível. Então eu questionei: "Como assim sua delegacia ? De juíza ou promotora, você passou a delegada, foi ? Quem você pensa que é pra falar desse jeito comigo ?"


O agente policial que lá estava, testemunhando a cena, tentou apaziguar os ânimos da colega, pedindo a ela que me entregasse os dados que eu solicitava. Mas só fez isso após eu dizer que iria representar administrativamente contra a escrivã. Chegou a dizer que ele - policial - assumiria qualquer responsabilidade. Aí ela disse: "Tá certo. Cadê a procuração ?".


"Procuração ? E pra que eu preciso te entregar uma procuração ? Você voltou a ser juíza, por acaso ? Decida-se de uma vez. Eu não sei se você sabe, mas isso aqui ainda é um inquérito policial", retruquei. Eu ainda mostrei que o estatuto da OAB garante ao advogado o direito de ter acesso aos autos de inquérito policial, e ainda de tirar cópias, mesmo sem procuração (art. 7º, XIV, da lei 8.906/94). O agente, vendo que a discussão iria recomeçar, voltou a interceder, assumindo qualquer ônus. Foi aí que, finalmente, eu pude olhar os autos, mas ainda assim, sem poder tirar cópia. E mesmo assim, com a criatura reclamando nos meus ouvidos.


De volta ao meu escritório, mesmo cansado e aborrecido, comecei a preparar uma representação, expondo todos os detalhes sórdidos. Porque se tem uma coisa que eu aprendi, é que o poder do advogado está na caneta.


Posteriormente, telefonei para o delegado, cujo telefone me foi fornecido pelo chefe de serviço da delegacia naquela ocasião, e marquei data para o interrogatório do cliente. O tal chefe ainda esboçou um: "ligue pra isso não, Dr. Ela é assim mesmo. Traz os problemas de casa para o trabalho". Quando eu telefonei para o Delegado, ele ainda tentou explicar o infeliz incidente, mas eu logo o cortei, dizendo que "o órgão competente já estava cuidando do caso". E na minha representação, eu ressaltei que "se um subordinado age dessa forma, é porque o superior não está gerindo seu pessoal adequadamente".


Meses depois, fui informado, por um dos agentes da delegacia, que encontrei numa dessas procissões de interior, que tanto o delegado quanto sua gentil escrivã foram transferidos.


É absurdo que servidores públicos abusem de uma autoridade que lhes é conferida para atender a uma finalidade. Eles costumam só lembram do poder, mas esquecem do dever. Se são servidores públicos, "sirvam o público". É tão simples!!! Ademais, educação nunca fez mal para ninguém e não é ensinada no treinamento dos servidores após a aprovação no concurso não: Vem de casa.


"Tá baratinha essa, Dr. Tem suíte, banheiro, sala de estar e uma vista incrível"

7 comentários:

  1. POXA QUE INCRIVEL,QUE LICÃO DE CIVILIDADE QUEM DERA TODOS NÓS PUDESSEMOS EXIJIR ,SERMOS RESPEITADOS ,PQ SE FIZER-MOS ISSO FALAM LOGO Q ESTAMOS DESACATANDO UMA AUTORIDADE!!!!!!!!!!CLARO Q O RESPEITO TEM Q EXISTIR,MAS ENTRE TODOS OS SERES Q TENHAM VIDA...E NEM SEMPRE ISSO ACONTECE,AS VZS SOMOS TRATADOS AOS BERROS SEM O MENOR RESPEITO,COMO SE FOSSEMOS UM NADA UM ZÉ NINGUÉM...PARABÉNS DIOGO PROCEDIMENTO LEGAL.ABRAÇOS

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  2. Excelente,todavia,é preciso ressaltar que nem sempre funciona em comarcas pequenas onde ainda existe muito tráfico de influência.A realidade é sombria e lastimável.Mas caros colegas advogados nem sempre a ousadia e altivez funcionam em delegacias,é sempre bom usar do direito e da lei,mas ponderar no tratamento,porque infelizmente o sistema judicial esta corrompido por aqueles,como afirma o escritor do blog que se acham donos do poder e abusam do ofício, execedendo sua competencia.De qualquer modo parabenizo por ter conseguido tal feito,mas nem sempre há sucesso quando utilizamos tal postura.

    parabens pelo blog e sucesso colega!

    Abraços e uma otima semana santa!

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  3. tá, cadê a OAB nesses casos no sentido de tomar providencias quanto ao abuso de autoridade, pois nessas situaçoes o advogado representa a Ordem dos Advogados do Brasil.

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  4. Excelente posição porém com um beneficio q é o simples fato de ser um advogado essa situação é bem comum em delegacias principalmente quando se trata de um publico q não domine os termos judiciais como os advogados, provavelmente jamais vamos ter uma sociedade onde a cidadania e o respeito sejam reconhecido mas é importante ter a esperança de q independente dos fatos a justiça fará o seu papel.

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    1. Contando um fato ocorrido semana passada. Fui ao fórum de uma cidade aqui da região de Campinas SP. Fui para ver a pauta do Júri para que eu pudesse então assistir aos julgamentos. Chegando lá, calmamente visualizei um homem de feição carrancuda que veio ao meio encontro (em lugares desconhecidos sempre entro calmamente para observar o local a que devo me dirigir)e perguntou : Pois não! Eu disse: Gostaria de ver a pauta do Júri. Em seguida ele me encaminhou até a mesa dele e enquanto eu anotava a pauta, observava o carrasco que era com as pessoas que ali chegavam para saber onde ficaria a sala de audiência, e diversos informativos sobre processos. Aquela forma de ele tratar as pessoas me feria por dentro. Eu observei os dois policiais que lá estavam para fazer a segurança do fórum e o semblante deles deles era tranquilo. Eu com "meus botões" pensei, puxa! quanta grosseria, isso é dar atendimento ao público? E sendo esse mesmo público que paga o salário dele? Aí eu me pergunto, depois que o cidadão reivindica seus direitos é tido como desacato e responde processo penal. Hoje faço Direito por quer quis saber os meu direitos diante de 5 processos que foi instaurado contra minha pessoa só porque questionei o serviço público na minha cidade, em especial a saúde.( O PT administrava na época). Levarei comigo eternamente o artigo 331 do CP e serei especialista em Direito Penal, criminalista. Estou no 3º semestre, estudo toda a matéria do curso, mas o direito Penal é meu xodó!

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  5. Fantástica sua experiência e obrigada por compartilhar!

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  6. Olá! Amei seu texto. Queria fazer uma correção de Português, para que o brilho dele não seja embotado pelo detalhe: Eles costumam só lembram do poder (lembrar, e não lembram)

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