sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Com medo dessa tal verdade...



Talvez somente no dia em que eu venha a me tornar juiz de Direito é que eu saberei de que divindade os magistrados se revestem para inspirar nas pessoas um temor praticamente totêmico.

Pude constatar tal fato e fiquei intrigado pela peculiaridade da situação: As testemunhas não estavam em audiência para mentir, e sim para atestar algo de que tinham real conhecimento, mas estavam apreensivas só por se encontrarem frente a frente com um juiz. Uma delas chegou a passar mal, mas acabou prestando depoimento assim mesmo.

Para se ter uma idéia de como a verdade é relativa, em verdade, não existe verdade: Existem versões. Tanto é assim que, sob o crivo de um “juiz bicho-papão”, a segurança da testemunha mentirosa pode soar como verdade, enquanto a relutância e nervosismo da testemunha sincera podem passar a impressão de mentira.

Não sei, honestamente, o que este nervosismo das testemunhas provocou na mente do juiz: Pode ele, do alto de seu pedestal, ter-se vangloriado do medo que sua autoridade causa às pessoas; pode estar tão acostumado com situações assim, que se mostra indiferente; pode preferir a superficialidade e julgar pela aparência; ou pode estar do mesmo modo que o autor deste blog, com um ponto de interrogação corroendo o cérebro.

Neste mesmo dia, eu me deparei com o seguinte fato: No corredor do fórum, puxando conversa com uma senhorinha, esta me contara que estava prestes a participar de uma audiência criminal, visto que sua filha adotiva fora “estrupada” aos oito anos de idade pela diretora da escola onde estudava. A jovem contava com uns quatorze anos de idade mais ou menos e o processo era de 2004, só agora estando em fase de julgamento, por conta da meta 2 do CNJ (em outras palavras: Trabalhe, Dr. Juiz, trabalhe).

Confesso que o discurso da velhinha era emocionante (se eu tivesse lágrimas, choraria rios naquela hora). Após a minha audiência, a tal senhora já não estava mais no corredor do fórum, conversando com um amigo, contei-lhe a história daquela senhora, quando ele mencionou o nome da diretora que era apontada naquele processo como agressora sexual. Ao que eu confirmei (vi, de relance, a intimação que a velhinha carregava nas mãos), ele disparou: “Não, Diogo, quem violentou a filha foi a própria velha, tanto é que ela a pegou pra criar por isso. Todo mundo comenta nesta cidade. A diretora foi colocada nessa história de gaiata. Não tem nem indício de autoria, por isso que ela não chegou nem a ser presa e continua na função, só que em outra escola. Aquela veia é que é uma bolacheira safada (e ele não estava se referindo a uma vendedora de biscoito)”. Quer dizer, talvez eu tenha sido ludibriado por uma senhora. Por que ? Pela idade ? Pela história ? Parafraseando um personagem do Auto da Compadecida, de Suassuna, “não sei, só sei que foi assim”. E do mesmo jeito que eu me deixei envolver pelo discurso, assim também pode ocorrer com o juiz.

O próprio magistrado tem medo da cruel e palpável verdade que está nele: Sua natureza humana e, portanto, suscetível à falha. E, por isto, ele tenta encobri-la com uma autoridade que o faz respeitado pela intimidação, ao invés da prudência e sabedoria. Nesse processo, o próprio processo se perde, com medo dessa tal verdade.

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