Gazeta de Alagoas. Domingo, 17 de maio de 2009. Cidades. Página D9. Reportagem de Marcos Rodrigues.
A crise que se instalou no sistema prisional alagoano tende a permanecer. Principalmente porque a gestão do sistema carcerário esquece, seja por incompetência ou má vontade, de aplicar até mesmo recursos já garantidos. Orçados em R$ 362 mil, três projetos com verba federal que beneficiariam reeducandos nunca saíram do papel.
O dinheiro veio e voltou para o Ministério da Justiça e o Departamento de Políticas Penitenciárias (Depen). O “atestado de incompetência administrativa” foi publicado na edição do Diário Oficial de 12 de maio. Na portaria, o secretário de Defesa Social Paulo Rubim pede explicações à Intendência Geral do Sistema Penitenciário (Igesp) sobre os motivos da não execução e devolução da verba enviada pelo governo federal.
A Gazeta teve acesso ao conteúdo dos projetos. O de valor mais elevado, o “Nascer da Terra”, conseguiu do Governo Federal R$ 220.113,40. A contrapartida do Estado seria de R$ 25.193,00, além de auxílio financeiro do Banco Mundial. O objetivo era oferecer capacitação para que reeducandos pudessem empregar esforços na atividade agrícola. Seriam beneficiados detentos oriundos do interior do Estado.
O projeto teve como modelo um outro desenvolvido no Rio Grande do Norte. E para conseguir os recursos, o Estado investiu em viagens para que técnicos pudessem acompanhar a viabilidade de sua aplicação.
Os recursos foram liberados em 2006. Três anos depois, diante da não aplicação dos recursos, o Ministério da Justiça (MJ) cobrou a devolução do dinheiro, além do que o montante rendeu juros na conta em que estava depositado. Estima-se que o Estado devolveu à União R$ 500 mil.
Não Floresceu
Processo semelhante aconteceu com o “Mãos que florescem”. Orçado em R$ 29.080,00, volume enviado pelo Governo Federal, caberia ao Estado arcar com a contrapartida de apenas R$ 8.740. A execução parecia coisa simples, mas também não saiu da gaveta da burocracia estatal.
Os reeducandos sairiam do cárcere aptos ao trato de jardins. E ainda receberam um kit com ferramentas para dar início ao trabalho autônomo. Nada disso aconteceu.
A “Oficina de Informática”, que previa a inclusão digital de reeducandos e familiares, também não saiu do papel. Eles aprenderiam a montar e a consertar máquinas. O governo federal enviou R$ 71 mil.
Alagoas se comprometeu em investir outros R$ 7.957,70. A exemplo dos demais, o projeto foi “deletado”. O treinamento beneficiaria 300 reeducandos. Houve clima de expectativa em torno da execução, mas veio a frustração. Tudo ficou mesmo no plano virtual.
Sem trabalho e sem perspectiva, a maioria dos 1.744 reeducandos de Alagoas continua sem ter o que fazer. Improdutivos, custam aos cofres públicos pouco mais de R$ 1 mil por mês.
Anos e Anos
Assim que tomou conhecimento das devoluções, o presidente do Conselho Estadual de Segurança Pública, juiz Manoel Cavalcante, cobrou esclarecimentos. Com o apoio do Conselho, ele solicitou a instauração de sindicância para apurar responsabilidades.
“O dinheiro ficou durante anos aplicado. Quando descobrimos, depois de solicitarmos todos os convênios do Estado para esta área, já havia o ofício para a devolução”, observou Cavalcante, para quem os agentes públicos precisam responder pela não utilização dessas verbas.
O magistrado considerou inconcebível que, diante das carências que se abatem sobre o sistema carcerário, Alagoas tenha devolvido dinheiro.
Secretário reconhece “incompetência”
Por meio de sua assessoria, o intendente penitenciário, tenente-coronel Luiz Bugarim, informou que a maioria dos projetos não coincide com o período de sua gestão. Eles foram geridos quando o sistema estava sob o comando do coronel Aurélio Rosendo.
À época ele conseguiu emplacar no Ministério da Justiça os projetos “Mãos que florescem” e “Nascer da terra”. Em relação ao projeto de Informática Básica e Manutenção de Computadores, Bugarim explicou que sua execução foi inviabilizada por questões técnicas.
“Houve incompatibilidade na execução da licitação, uma vez que a modelagem dos computadores exigida pelo Ministério da Justiça não eram compatíveis com as do Instituto de Tecnologia do Estado (Itec)”, explicou o intendente, através de comunicado.
Mesmo com essa dificuldade ele informa que o projeto deverá ser reapresentado. O intendente aproveitou, ainda, para informar que há, no momento, outros oito projetos para ser executados.
Eles seriam para profissionalização, capacitação de agentes, implantação da escola penitenciária, implantação da ouvidoria, aquisição de ambulâncias, construção de um presídio para jovens e adultos, de um módulo de saúde (Arapiraca) e construção de um Centro Ecumênico e Cultural no Presídio Santa Luzia.
Repercussão
A repercussão da perda de recursos chegou à cúpula da segurança pública. O secretário José Paulo Rubim não escondeu sua insatisfação com o que ocorreu. O pior, porém, é que todos os projetos deixaram de ser executados na gestão do governador Teotônio Vilela, responsável pela vinda de Rubim para mudar o cenário da segurança pública, com a aplicação de projetos.
Procurado pela Gazeta, Rubim foi taxativo em reconhecer que houve “incompetência” envolvendo a gestão dos projetos. Entretanto, ao invés de “crucificar” o intendente penitenciário, tenente-coronel Luiz Bugarim, preferiu generalizar o caso.
“Isso não é um problema só do sistema. É do Estado. Faltam técnicos com capacitação para gerenciar e acompanhar projeto. Isso é um fato. Aliado a isso temos a grande burocracia que precisa ser transposta”, destacou o secretário.
Ainda assim, ele adotou medidas administrativas para apurar responsabilidades. O secretário Paulo Rubim sabe do impacto negativo do caso, principalmente porque o sistema prisional é um dos gargalos de sua gestão.
Rubim cobra clareza de projetos
Diante da realidade caótica e da necessidade de se conseguir recursos, o secretário defende mais atenção. Em sua análise isso deve acontecer, ainda na fase de elaboração. O que se quer e como será executado precisa ficar claro.
“São muitos prazos que precisamos seguir. Além disso, há coisas paralelas às propostas que se não caminham, acabam inviabilizando a execução”, acrescentou Rubim.
Como exemplo ele cita o projeto de construção do Centro de Polícia Comunitária, em Marechal Deodoro. Avaliado em R$ 800 mil, os recursos já foram liberados. Porém, havia um entrave na compra do terreno. Por pouco o Estado não perderia mais esse projeto. Para evitar a devolução, a única saída foi entrar na justiça contra a União.
Quase
No mês passado, outros R$ 15 milhões quase acabariam retornando aos cofres do governo federal. Praticamente na última semana, descobriu-se onde estava o problema e a equipe conseguiu impedir nova perda. Os recursos envolvidos serão utilizados para a construção de um presídio para jovens e adultos.
Há casos em que as questões técnicas pesam mais. É o que ocorre para os R$ 7 milhões já liberados para a compra de viaturas e coletes. Pelo texto aprovado, caberia à própria fornecedora dos veículos incluir os coletes à prova de bala.
Descoberto o erro, considerado grosseiro pelo secretário, sua equipe conseguiu desmembrar os dois pedidos.
“Só que depois disso tudo a cotação de preço se baseou numa realidade que acabou se modificando, com a decisão do governo de reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)”, disse.
Atraso na liberação de verba e elevação do dólar também inviabilizou a futura aquisição de helicóptero por parte do Estado.
O dinheiro veio e voltou para o Ministério da Justiça e o Departamento de Políticas Penitenciárias (Depen). O “atestado de incompetência administrativa” foi publicado na edição do Diário Oficial de 12 de maio. Na portaria, o secretário de Defesa Social Paulo Rubim pede explicações à Intendência Geral do Sistema Penitenciário (Igesp) sobre os motivos da não execução e devolução da verba enviada pelo governo federal.
A Gazeta teve acesso ao conteúdo dos projetos. O de valor mais elevado, o “Nascer da Terra”, conseguiu do Governo Federal R$ 220.113,40. A contrapartida do Estado seria de R$ 25.193,00, além de auxílio financeiro do Banco Mundial. O objetivo era oferecer capacitação para que reeducandos pudessem empregar esforços na atividade agrícola. Seriam beneficiados detentos oriundos do interior do Estado.
O projeto teve como modelo um outro desenvolvido no Rio Grande do Norte. E para conseguir os recursos, o Estado investiu em viagens para que técnicos pudessem acompanhar a viabilidade de sua aplicação.
Os recursos foram liberados em 2006. Três anos depois, diante da não aplicação dos recursos, o Ministério da Justiça (MJ) cobrou a devolução do dinheiro, além do que o montante rendeu juros na conta em que estava depositado. Estima-se que o Estado devolveu à União R$ 500 mil.
Não Floresceu
Processo semelhante aconteceu com o “Mãos que florescem”. Orçado em R$ 29.080,00, volume enviado pelo Governo Federal, caberia ao Estado arcar com a contrapartida de apenas R$ 8.740. A execução parecia coisa simples, mas também não saiu da gaveta da burocracia estatal.
Os reeducandos sairiam do cárcere aptos ao trato de jardins. E ainda receberam um kit com ferramentas para dar início ao trabalho autônomo. Nada disso aconteceu.
A “Oficina de Informática”, que previa a inclusão digital de reeducandos e familiares, também não saiu do papel. Eles aprenderiam a montar e a consertar máquinas. O governo federal enviou R$ 71 mil.
Alagoas se comprometeu em investir outros R$ 7.957,70. A exemplo dos demais, o projeto foi “deletado”. O treinamento beneficiaria 300 reeducandos. Houve clima de expectativa em torno da execução, mas veio a frustração. Tudo ficou mesmo no plano virtual.
Sem trabalho e sem perspectiva, a maioria dos 1.744 reeducandos de Alagoas continua sem ter o que fazer. Improdutivos, custam aos cofres públicos pouco mais de R$ 1 mil por mês.
Anos e Anos
Assim que tomou conhecimento das devoluções, o presidente do Conselho Estadual de Segurança Pública, juiz Manoel Cavalcante, cobrou esclarecimentos. Com o apoio do Conselho, ele solicitou a instauração de sindicância para apurar responsabilidades.
“O dinheiro ficou durante anos aplicado. Quando descobrimos, depois de solicitarmos todos os convênios do Estado para esta área, já havia o ofício para a devolução”, observou Cavalcante, para quem os agentes públicos precisam responder pela não utilização dessas verbas.
O magistrado considerou inconcebível que, diante das carências que se abatem sobre o sistema carcerário, Alagoas tenha devolvido dinheiro.
Secretário reconhece “incompetência”
Por meio de sua assessoria, o intendente penitenciário, tenente-coronel Luiz Bugarim, informou que a maioria dos projetos não coincide com o período de sua gestão. Eles foram geridos quando o sistema estava sob o comando do coronel Aurélio Rosendo.
À época ele conseguiu emplacar no Ministério da Justiça os projetos “Mãos que florescem” e “Nascer da terra”. Em relação ao projeto de Informática Básica e Manutenção de Computadores, Bugarim explicou que sua execução foi inviabilizada por questões técnicas.
“Houve incompatibilidade na execução da licitação, uma vez que a modelagem dos computadores exigida pelo Ministério da Justiça não eram compatíveis com as do Instituto de Tecnologia do Estado (Itec)”, explicou o intendente, através de comunicado.
Mesmo com essa dificuldade ele informa que o projeto deverá ser reapresentado. O intendente aproveitou, ainda, para informar que há, no momento, outros oito projetos para ser executados.
Eles seriam para profissionalização, capacitação de agentes, implantação da escola penitenciária, implantação da ouvidoria, aquisição de ambulâncias, construção de um presídio para jovens e adultos, de um módulo de saúde (Arapiraca) e construção de um Centro Ecumênico e Cultural no Presídio Santa Luzia.
Repercussão
A repercussão da perda de recursos chegou à cúpula da segurança pública. O secretário José Paulo Rubim não escondeu sua insatisfação com o que ocorreu. O pior, porém, é que todos os projetos deixaram de ser executados na gestão do governador Teotônio Vilela, responsável pela vinda de Rubim para mudar o cenário da segurança pública, com a aplicação de projetos.
Procurado pela Gazeta, Rubim foi taxativo em reconhecer que houve “incompetência” envolvendo a gestão dos projetos. Entretanto, ao invés de “crucificar” o intendente penitenciário, tenente-coronel Luiz Bugarim, preferiu generalizar o caso.
“Isso não é um problema só do sistema. É do Estado. Faltam técnicos com capacitação para gerenciar e acompanhar projeto. Isso é um fato. Aliado a isso temos a grande burocracia que precisa ser transposta”, destacou o secretário.
Ainda assim, ele adotou medidas administrativas para apurar responsabilidades. O secretário Paulo Rubim sabe do impacto negativo do caso, principalmente porque o sistema prisional é um dos gargalos de sua gestão.
Rubim cobra clareza de projetos
Diante da realidade caótica e da necessidade de se conseguir recursos, o secretário defende mais atenção. Em sua análise isso deve acontecer, ainda na fase de elaboração. O que se quer e como será executado precisa ficar claro.
“São muitos prazos que precisamos seguir. Além disso, há coisas paralelas às propostas que se não caminham, acabam inviabilizando a execução”, acrescentou Rubim.
Como exemplo ele cita o projeto de construção do Centro de Polícia Comunitária, em Marechal Deodoro. Avaliado em R$ 800 mil, os recursos já foram liberados. Porém, havia um entrave na compra do terreno. Por pouco o Estado não perderia mais esse projeto. Para evitar a devolução, a única saída foi entrar na justiça contra a União.
Quase
No mês passado, outros R$ 15 milhões quase acabariam retornando aos cofres do governo federal. Praticamente na última semana, descobriu-se onde estava o problema e a equipe conseguiu impedir nova perda. Os recursos envolvidos serão utilizados para a construção de um presídio para jovens e adultos.
Há casos em que as questões técnicas pesam mais. É o que ocorre para os R$ 7 milhões já liberados para a compra de viaturas e coletes. Pelo texto aprovado, caberia à própria fornecedora dos veículos incluir os coletes à prova de bala.
Descoberto o erro, considerado grosseiro pelo secretário, sua equipe conseguiu desmembrar os dois pedidos.
“Só que depois disso tudo a cotação de preço se baseou numa realidade que acabou se modificando, com a decisão do governo de reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)”, disse.
Atraso na liberação de verba e elevação do dólar também inviabilizou a futura aquisição de helicóptero por parte do Estado.
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