sábado, 29 de agosto de 2009

Tutmés e a 17ª Vara: Tinha uma Elizabeth no meio do caminho...




Reportagem de Davi Soares, publicada na Gazeta de Alagoas, edição de sábado, 29/08/2009, na página A3 (Política)

Congresso de Direito

DESEMBARGADOR CRITICA A 17ª VARA E GECOC

Segundo Tutmés Airan, criação de instituições fere princípios democráticos: “Agora é tudo feito de uma maneira muito sofisticada”

O Desembargador do Tribunal de Justiça de Alagoas Tutmés Airan criticou ontem a atuação da 17ª Vara Criminal da Capital e do Grupo Especial de Combate às Organizações Criminosas do Ministério Público (Gecoc), durante os debates do 1º Congresso Internacional de Processo Penal e Direito Penal, realizado no Centro de Convenções de Maceió. Segundo Airan, a “sofisticação” das instituições esconderia uma “fraude” aos princípios democráticos. E comparou a 17ª Vara a um “tribunal de exceção” – como o que foi criado por aliados dos nazistas para julgar suas atrocidades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial.

“Aqui em Alagoas, não se contentou-se com a criação da 17ª Vara, e o Ministério Público criou uma coisa semelhante à sua estrutura. É o famoso Gecoc. Agora é tudo feito de uma maneira muito sofisticada, de modo a, na verdade, mostrar que não estão fraudando os princípios. Mas o cotidiano tira a máscara. Acho que cabe o bom combate a este tipo de delinquência, mas não às custas da violação das regras do jogo, quando o jogo está sendo jogado. Aí acaba com o princípio democrático. E me parece que o melhor caminho não é esse”, disse o desembargador para uma platéia formada principalmente por estudantes de direito.

Segundo Tutmés, que se tornou desembargador por meio do Quinto Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o fato de a 17ª Vara ter poder para avocar qualquer processo de qualquer comarca do Estado de Alagoas, inclusive os processos de homicídios dolosos – cuja competência é estabelecida constitucionalmente – iria de encontro aos princípios legais.

“Para jogar para a platéia, decidiram criar uma vara para combater o crime organizado que já é singular por ser plural, composta por cinco juízes. Criou-se, na verdade, uma ‘supervara’: deu-se poderes enormes aos seus componentes, que a transformaram em uma espécie de tribunal de exceção, que é proibido constitucionalmente. E o que é mais grave, que tenho me preocupado mais é que isso tem feito escola”, disse Tutmés Airan.

Depois de afirmar que o propósito da criação das instituições “pode ter sido bom”, o desembargador acrescentou não ter dúvidas de que a criação da 17ª Vara teria subvertido toda a lógica de competência estabelecida pelo Código de Processo Penal, que determina como responsável pelo julgamento o juiz do local onde se consumou o crime.

“Subverteu-se a legislação processual e constitucional, não tenho a menor dúvida disso. Será que esse é o caminho ? Devemos combater o crime organizado usando conceitos cada vez mais vagos para definir até o que é o próprio crime organizado ?”, questionou o desembargador.

As declarações de Tutmés foram dadas durante o debate sobre a competência do juiz de execução penal em libertar um acusado de crime que teve prisão cautelar decretada em outro Estado da Federação, avaliada como excessiva.

Ao lado do juiz Marcelo Tadeu Lemos, Airan classificou como “corajosa” a atitude que o magistrado tomou quando comandava a Vara de Execuções Penais e determinou a libertação do detento Henrique Pai Oliveira, que respondia por homicídio na justiça de São Paulo, e passou três anos e quatro meses no sistema prisional alagoano, aguardando a transferência para São Paulo e o julgamento pela justiça paulista. Lá, levou seis facadas em uma rebelião.

“Há aqui uma reverência quase bíblica à súmula 52 do Superior Tribunal de Justiça [STJ], que diz que encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo. Mas tem que se discutir caso a caso. E o que deve prevalecer é a Constituição Federal e a Lei de Execuções Penais. Foi uma decisão corajosa”.

“ESSAS OPINIÕES NÃO LEVAM A NADA”

A Presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), Elizabeth Carvalho, reagiu às críticas do colega desembargador Tutmés Airan ressaltando o resultado da atuação da 17ª Vara Criminal da Capital no combate ao crime organizado. E disse que preferia a opinião do corregedor nacional de justiça, ministro Gilson Dipp, a levar em conta o que disse Airan, a quem classificou como um desembargador com “mentalidade diferenciada”.

“Eu prefiro ficar com a opinião do ministro Gilson Dipp, que elogiou a 17ª Vara, com todo o plenário do Conselho Nacional de Justiça [CNJ], durante a apresentação do relatório da correição realizada no TJ. Acho que em um Estado como o nosso, onde a segurança pública está completamente destroçada, é muito importante ter esta vara especializada. Só quem não gosta da 17ª Vara Criminal é advogado e quem participa do crime organizado. Para a população ela é ótima. O resto é opinião que não diminui a criminalidade e nem coloca quem merece na cadeia para pagar pelo crime que cometeu. Prefiro as ações da 17ª Vara às opiniões que não levam a nada”, disse a Presidente do TJ.

Segundo a desembargadora, o fato de Tutmés Airan ter assumido o cargo de desembargador no início do ano, por meio do Quinto Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), contribui para que mantenha uma linha ideológica prevalente entre os advogados.

“Ele não concorda com a criação da 17ª Vara. Mas isso é natural vindo de um desembargador proveniente da OAB. Ele não tem o mesmo pensamento de alguém que entrou na magistratura e passou cerca de 30 anos de sua vida julgando processos, depois de ingressar em uma comarca do interior e ir sendo promovido até o cargo de desembargador. O colega passou este tempo todo como advogado e passou a ser magistrado com a mentalidade de advogado”, concluiu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário