domingo, 21 de junho de 2009

Casa, separa, separa a casa... Toma que o filho é teu!!!



Nesta semana que passou, encerrei, com êxito, um processo de separação litigiosa com o qual ingressei no início do ano. Representando a autora, pedi a separação por conduta desonrosa, devido ao alcoolismo do marido, o que fazia com que o mesmo se tornasse agressivo e ameaçasse constantemente a esposa. Chegou até a agredir um dos filhos do casal, quando este se pôs no meio para impedir que a mãe fosse esmurrada.

O réu contestou a ação, admitindo seu vício, mas repudiou a afirmação de que o alcoolismo era considerado conduta desonrosa, e sim uma doença, como se uma coisa obstasse a outra. Ainda disse que estava em tratamento (segundo a autora, ele até comparecia ao hospital ao qual foi encaminhado, mas não havia parado de beber. Tratava-se de um disfarce, tanto que ele só buscou tratamento após o ajuizamento da ação). A jurisprudência é assente no sentido de considerar o alcoolismo como conduta desonrosa:

EMENTA: SEPARACAO JUDICIAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. OFENSAS FISICAS E VERBAIS, ABANDONO MATERIAL E ALCOOLISMO CRONICO IMPORTAM EM VIOLACAO DOS DEVERES DO CASAMENTO E ENSEJAM A SEPARACAO JUDICIAL. A ADMISSAO DO DEMANDADO, DECORRENTE DA FALTA DE CONTESTACAO, E DECLARACOES PRESTADAS EM JUIZO POR FILHA DOS SEPARANDOS, CONFIRMANDO AS ACUSACOES, AUTORIZAM O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 596003822, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ulderico Ceccato, Julgado em 08/05/1996)

EMENTA: SEPARACAO JUDICIAL. CULPA. ALIMENTOS. GUARDA. O ALCOOLISMO DO CONJUGE, FONTE DAS DISCUSSOES E AGRESSOES CONJUGAIS E CAUSA DE CULPA DA SEPARACAO. COMPROVADO QUE O MARIDO PERCEBE RENDIMENTOS ALTERNATIVOS, IMPOE-SE MAJORAR A PENSAO ALIMENTICIA JUNTO AOS VENCIMENTOS COMO AUTARQUICO. A GUARDA DEVE ATENDER AS PRESCRICOES DO LAUDO E INTERESSE DOS FILHOS. APELACAO PROVIDA, EM PARTE. (Apelação Cível Nº 597081629, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 01/04/1998)

SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA - USO DE BEBIDA ALCOÓLICA PELO VARÃO - CONDUTA DESONROSA - INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM - SEPARAÇÃO DECRETADA. O uso habitual de bebida alcoólica pelo cônjuge-varão, causando desentendimentos no seio do lar conjugal, perfaz-se em conduta desonrosa, que, tornando insuportável a vida em comum, enseja a decretação da separação do casal. Recurso a que se dá provimento. (TJ MG. Apelação Cível. Processo Nº 1.0000.00.255548-0/000(1). Relator: Kildare Carvalho. Data do Julgamento: 27/06/2002. Data da Publicação: 02/08/2002)

Ação de separação judicial. Pedido do varão apontando à virago infração dos deveres conjugais. Prova inconteste, nos autos neste sentido, a demonstrar a entrega desta ao alcoolismo e sua exclusiva culpa na separação do casal, pois a embriaguez contumaz com consequente abandono dos cuidados devidos à família e ao lar, constitui grave violação dos deveres do cônjuge. Não tem direito aos alimentos aquele que teve a culpa exclusiva no desfazimento da relação conjugal. Separação judicial decretada com guarda dos filhos para o cônjuge varão, bem como partilha do bem do casal. Sentença que se confirma. (TJ RJ. Apelação Cível. Processo Nº 2002.001.23831. Relator: Des. Maria Augusta Vaz. Órgão Julgador: Primeira Câmara Cível. Julgamento: 27/05/2003)

Ementa: SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA - Alegação de grave violação dos deveres do casamento e insuportabilidade da vida em comum do casal - Aplicação do “caput” do artigo I 572. do Código Civil - Testemunha que confirma a versão da autora - Réu que não contribui para o sustento do lar. permanecendo constantemente embriagado - Culpa pela separação a ele atribuída - Ação procedente - Apelo desprovido (TJ SP. Apelação Cível. Processo Nº 4690484400. Relator: Guimarães e Souza. Data de registro: 14/06/2007)

E, ainda que não fosse conduta desonrosa, a tendência atual do Direito de Família é conceder a separação com a simples alegação de que se findou o afeto, o chamado "quando um não quer, dois não brigam". O próprio Código Civil, ao elencar as hipóteses que autorizam a separação, deixa claro que o juiz poderá considera outras causas, demonstrando, assim, que o rol é ilustrativo.

Além disso, o réu, como é comum em ações deste tipo, atacou a autora, afirmando que ela promovia farras na casa onde eles moravam aos fins-de-semana, prejudicando seu tratamento; que ela o expulsara da cama do casal, obrigando-o a dormir no chão; e que, como estava doente, ela teria que cuidar dele. Era espantosa a qualidade da contestação, a começar pelo verbo “trouxe” escrito com SS no lugar do x e, fechando, com as considerações retrógradas de que a mulher teria a obrigação de partilhar o leito conjugal com o marido embriagado e manter relações com ele assim mesmo e, ainda, cuidar dele. Por fim, pediu que o juízo de direito compelisse a autora a sair da casa, afirmando, sem suporte probatório, que o filho mais novo do casal queria morar com o pai (detalhe que o interesse do pai não era o filho, mas tão somente a casa).

Em sede de réplica, reafirmei tudo o que havia colocado na peça vestibular, acrescentando que se o marido quebrou os deveres de assistência e respeito, inerentes ao casamento, que não deixa de ser um contrato bilateral, a esposa não estaria obrigada a cumprir com os dela (exceptio non adimpletis contractus). Sobre o hilário pedido de desocupação do imóvel pela autora, expliquei que os mesmos direitos que ela tinha, ele tinha também, afinal o compromisso de compra e venda foi feito, de comum acordo dos pais, em nome dos filhos, com a ressalva de que os litigantes teriam o usufruto vitalício do bem. Ainda asseverei que, na definição da guarda de menores, ainda que houvesse prova da vontade do filho mais novo, não é só a opinião deste que conta, mas principalmente a análise de qual dos pais oferece melhor suporte financeiro e emocional, e, com certeza, esse alguém era a autora, que possuía emprego fixo e era pessoa idônea. E, também, qual seria o controle, o limite, que o réu poderia impor ao filho adolescente, se nem mesmo ele conseguia se controlar diante de uma garrafa de álcool ?

Enfim, depois de todas estas gentilezas, foi marcada audiência de conciliação. O advogado da outra parte não compareceu, nem justificou a ausência. Mas como o intimação dele ainda não havia sido juntada, eu também não pude pedir as providências necessárias e a audiência não pôde ser realizada naquela ocasião. Foi, então, remarcada para a última semana.

Desta feita, o tal advogado compareceu. As partes já haviam combinado de desocupar o imóvel, alugá-lo e dividir os proventos do aluguel. Estava feito o acordo. Pois bem, o causídico era daqueles advogados velhos que, olhando para um advogado jovem como eu, acham que podem tripudiar em cima. Ao me ver, no final do corredor do fórum, ele me chamou da seguinte forma: “Dr., vem cá”. Ao que eu respondi, educadamente: “O Sr. poderia vir até aqui ?”. Ele veio e perguntou se havia um acordo, tendo eu pedido a ele que conversasse com o cliente dele.

A audiência começou com um “certo” atraso. O advogado do demandado até fez o seguinte comentário: “É, Dr., justo no dia que eu venho, atrasa a audiência. Eu estou começando a achar que eu sou pé-frio”. Retruquei com um breve: “É... bem capaz”.

Começou a audiência, depois de duas horas de espera. Ditei os termos do acordo para a juíza. O réu se manifestou, perguntando se, posteriormente, ele poderia vender a casa. A Drª disse, “e o Sr. vai vender o que não é seu ?”. Ele voltou a assacar contra a autora, dizendo que ela o havia enganado, convencendo-o a assinar o documento, passando a casa para os filhos. A juíza pôs os óculos na ponta do nariz, deu uma risadinha e perguntou: “Ah, ela enganou o senhor foi ? O Sr. sabe ler ?”. Ele disse que sabia. Aí ela se virou para a minha cliente e perguntou: “a Sra. Entende de lei ? É dona de cartório ?”. Ela respondeu que não. A juíza finalizou com um “então ela não lhe enganou não, viu ?”. Até o advogado do réu disse ao cliente dele que eu tinha razão.

Sobre os filhos, a própria juíza explicou que, como o mais novo era praticamente adulto, já que completaria 18 anos em três meses, então nem se poderia falar em guarda compartilhada. A bem da verdade, nem se poderia falar em guarda. Como o mais novo tinha mais afeição pelo pai realmente, a magistrada fez constar no termo que este moraria com o pai (leia-se com a avó paterna, já que um bêbado jamais teria condições de cuidar de um adolescente), enquanto o mais velho, de 19 anos, moraria com a mãe, mas que cada um poderia ir para a casa do outro quando bem entendesse. Nestas condições, dispensou-se o pagamento de pensão alimentícia aos filhos (até porque se a pensão não cessa automaticamente com a maioridade, consoante entendimento do STJ, cada um teria que pagar pensão ao outro que estivesse com o filho), bem como dos cônjuges entre si (seria brincadeira - de muito mau gosto - se, além de ter aturado o cachaceiro tanto tempo, a esposa ainda tivesse que sustentar o vício dele, pagando pensão alimentícia). E, assim, foi homologado o acordo e quase todo mundo voltou para casa feliz e satisfeito.

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